A
cena se repete toda vez que a sirene de uma ambulância pede passagem: os carros
se apertam daqui, se espremem de lá, roçam o meio-fio, sobem nas calçadas e,
como se estivessem fazendo as honras para a rainha da Inglaterra, estendem um
tapete vermelho onde antes havia apenas congestionamento, impaciência, pressa e
buzinas.
Só
não agitam aquelas bandeirinhas ufanistas porque elas não estão nos porta-luvas.
Pena
que essa lei do asfalto – cumprida à risca mais por gentileza do que por medo
de multa, como prefiro acreditar – poucas vezes encontre sinal verde em outros
cruzamentos da vida, muito além de placas e pardais.
Porque
temos estado quase sempre engarrafados em nossos fusquinhas ou limusines – o
espaço interno não importa. Ou será que, no caminho entre a casa e o trabalho, a
escola e o mercado, a mãe e a namorada, o pilates e o cardiologista, não temos
deixado os vidros dos nossos olhos hermeticamente fechados, o ar-condicionado
da nossa alma no máximo, o rádio do nosso coração nas estações mais barulhosas?
Pobre
do sujeito que sofre um piripaque e depende de que escutemos a sirene de sua
ambulância para chegar ao hospital.
Não
escutamos e, quantas vezes, não enxergamos a esposa que pede um beijo quando
abrimos a porta de casa; a vó que capricha no almoço de domingo e espera um
elogio; o vizinho solitário de que ninguém lembra no Natal; o porteiro que nos
ajuda com o vazamento no banheiro e de que esquecemos o nome; o amigo que
escreve um e-mail e aguarda apenas um oi-tudo-bem-quanto-tempo; o aluno que
senta no canto da sala e mal levanta as sobrancelhas para quem está ao lado; o
professor que se esgoela no quadro de giz enquanto trocamos torpedos sobre a
festa de ontem; o manifestante que leva o cartaz e briga até por quem não se dá
conta de que a luta é de todos; o policial mal pago que cumpre o dever de
proteger o patrimônio público e privado e é demonizado por isso.
O pedestre
que, candidamente, põe o pezinho direito na faixa e por um triz não atropelamos
ao ignorar o sinal vermelho.
Quanta
barbeiragem cometemos sem nos dar conta. Por isso, talvez valha a pena de vez
em quando abrir a carteira – no bolso esquerdo da camisa – e checar se a
habilitação não está vencida. Se estiver, não custa nada voltar à autoescola da
consciência, reler as regras do bom senso, refazer as balizas da humildade e estacionar
o umbigo em lugar que não feche a garagem de ninguém.
Que
só um pouco de atenção aos sinais – não só os de trânsito – é capaz de nos livrar
de uma viagem na contramão e evitar acidentes graves.
Reflexivo seu texto. Não só pelos sinais de trânsito mas por todos os sinais que nos rodeiam e estamos sempre à ignorar...
ResponderExcluirhttp://mmelofazminhacabeca.blogspot.com.br
O respeito está cada vez mais virando peça rara de museu, infelizmente :(
ResponderExcluirGostei demais, Fábio!
ResponderExcluirAbraço, Vera.
gostei!
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