O
novo Jurassic World só não é melhor
do que o Park original, clássico de Steven
Spielberg que devorou os nervos de plateias inteiras com sequências memoráveis
(como a do T-Rex deixando a jaula e a dos raptors na cozinha) e ainda inaugurou
A era dos efeitos especiais – os olhos fascinados de Alan Grant e Ellie Sattler
ao verem o primeiro dino eram os nossos.
Aliás,
uma referência a essa cena é um dos ápices do filme de J. A. Bayona: enquanto o
barco se afasta da ilha Nublar e o vulcão a consome, assistimos a um braquiossauro
esquecido no píer; em meio à fumaça e ao desespero, ele se apoia sobre as patas
traseiras, num movimento que não só lembra o que extasiou Alan e Ellie no longa
de 1993, como ainda fecha um ciclo que faz bodas de prata. A rima visual aquece
o coração do jurassiquete mais do que qualquer erupção.
O
diretor espanhol não poupa o espectador de sequências como essa, que
homenageiam em especial o primeiro capítulo da saga: destaque para aquela em
que Maisie (Isabella Sermon) se refugia num pequeno elevador do mesmo jeito que
Lex (Ariana Richards) num armário de cozinha, e aquela em que Owen (Chris
Pratt) e Claire (Bryce Dallas Howard) estão presos e ouvimos os acordes
melancólicos da trilha de John Williams.
Responsável
pelo fantasmagoricamente bom O orfanato,
Bayona também não poupa o espectador de seu gosto pelo terror, em cenas nas
quais a escuridão intermitente esconde/mostra o sauro ameaçador da vez, como na
sequência de abertura (enquanto a queda de energia impede a vítima de avistar
um antigo morador da ilha se aproximando, relâmpagos o revelam para o público)
e na que envolve outro dino faminto, dessa vez num túnel eventualmente
iluminado pela lava.
Se,
de um lado, a direção capricha na interação entre animais e bichos, digo,
humanos – graças ao uso apurado de seres digitais e animatrônicos –, de outro, o
roteiro capricha na interação entre enredo e temas politicamente relevantes,
como a empatia, a busca voraz por lucro e, tangencialmente, o papel do Estado
na sociedade.
Num
mundo em que o individualismo nos transforma em ilhas cada vez mais afastadas
umas das outras, os roteiristas Colin Trevorrow e Derek Connolly transformam a
raptor Blue no elo entre o passado e o futuro dos dinossauros, por ser a única
da espécie a ter desenvolvido a capacidade de se identificar com um outro diferente
dela (Owen, no caso) e de se sensibilizar com a vulnerabilidade alheia.
A
empatia ainda se espalha por outra subtrama e é fundamental na decisão de certa
personagem sobre o destino dos animais recriados em laboratório – o que torna a
resolução no último ato mais consistente e orgânica, porque apoiada num mote
que vinha sendo elegantemente desenvolvido desde o início da projeção.
Já
a ganância de capitalistas como Eli Mills (Rafe Spall) – que os faz enxergar
seres vivos como meros produtos, capazes de encher até as prateleiras da
indústria armamentista – é claro sintoma de involução e, aparentemente, pode
levar à extinção da meia dúzia que concentra a mesma riqueza de bilhões. O desfecho
de determinado leilão deixa no ar essa possibilidade ao mandar pelos ares
vários figurantes, provocando uma breve catarse nos espectadores que têm alguma
consciência de classe.
A
narrativa é permeada ainda pelas discussões no Congresso americano – das quais
participa o Dr. Ian Malcolm (Jeff Goldblum), em ponta especialíssima – a
respeito da possibilidade de o governo auxiliar ou não no resgate dos
dinossauros prestes a morrer na ilha. Os parlamentares acabam decidindo não
intervir na crise, já que os animais foram criados pela – e, portanto, são de
responsabilidade da – iniciativa privada.
O
resultado dessa escolha temerária, felizmente podemos acompanhar na segurança
de uma sala escura. Ao acender das luzes e da realidade, porém, espera-se que saiamos
do cinema com a lição de que, se a vida não pode ser contida (como ensina o Dr.
Malcolm desde o primeiro Jurassic), a
ambição selvagem pode – e deve.
Ou o reino ameaçado a que o título faz alusão certamente não será o dos
nossos fósseis favoritos.