À
procura de um minutinho de alienação (que não durou muito mais que esse
minutinho, o leitor vai ver), esbarrei no tal Fábrica de casamentos, que até então só conhecia dos intermináveis
comerciais do Discovery Home & Health. Foi um susto. Não com o programa em
si – no qual profissionais da área fazem em sete dias o que todo casal
minimamente sensato faz em pelo menos 365 –, mas com os noivos da vez, que
desejavam uma festa com samba e pagode, comida canadense, Cadillac cor de rosa,
passarela espelhada, bolo de quinze andares e... neve.
Que mixórdia também foram as
primeiras palavras que vieram à minha cabeça.
Explicando
os itens: a neve e a comida canadense eram referências a uma viagem pela terra
natal de Celine Dion; o Cadillac cor de rosa, à lembrança de um carrinho que a
noiva teve na infância; os quinze andares do bolo, aos anos de namoro; o samba
e pagode eram gosto mesmo, então não se discute; já a passarela espelhada não
tinha causa, motivo, razão ou circunstância plausível – a não ser o desejo de
entrar para o Guinness na
disputadíssima categoria das festas mais cafonas ever.
Para
a minha surpresa, no entanto, o que prometia ser o Oscar dos casórios – só que
sem a Meryl Streep para dar alguma dignidade – se mostrou incrivelmente harmonioso
no fim (no começo e no meio também). Do cardápio ao buquê, passando pela trilha
sonora, a decoração e o bolo arranha-céu, tudo refletia com tanta coerência e
coesão a história dos noivos, que nem a passarela espelhada foi capaz de
ofuscá-los.
Pensando
bem, de equipes como a que organizou essa cerimônia é que o Brasil anda precisando.
Um time de experts que consiga (ou pelo menos nos inspire a) reunir nossas
diferenças, misturá-las num bufê e promover uma festança na qual todos se
divirtam, e não somente os que têm lugar reservado perto da mesa de doces – e acreditam
que “não dar certo na vida” é ser ambulante, gari ou o garçom que lhes serve os
canapés.
Até
quando vamos distribuir convites apenas para os cúmplices? Até quando vamos
estimular desquites ancestrais e aprofundar ainda mais os abismos que há entre
nós?
Até
quando vamos apoiar planos econômicos que tiram direitos dos que têm menos e
preservam privilégios dos que têm (muito) mais? até quando vamos fingir que a
luta de classes é um conceito perdido num livro de História? até quando vamos
admitir o extermínio diário de jovens negros? até quando vamos tolerar quem usa
sua audiência para vomitar misoginia, racismo e homofobia disfarçados de humor
e liberdade de expressão? até quando vamos reprovar uma escola aberta a temas
como identidade de gênero e orientação sexual? até quando vamos defender que a
violência seja o remédio para curar dependentes químicos? até quando vamos consentir
que arbitrariedades sejam cometidas só porque atingem pessoas de quem não
gostamos – ou que simplesmente não conhecemos? até quando vamos engolir uma
narrativa que nos reduz aos vips
cidadãos de bem versus bandidos,
cracudos, preguiçosos, vagabundos, vândalos e afins?
Até
o dia em que a separação de corpos e bens for irreversível; o divórcio, inevitável;
e a reconciliação, uma lua de mel impossível?
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