Mais
fácil achar um brasileiro que votaria em Michel Temer ou Aécio Neves para
síndico de seu prédio do que um blockbuster em 2D na minha cidade.
A
quinta aventura de Jack Sparrow, a segunda dos Guardiões da Galáxia, a primeira
solo da Mulher-Maravilha – em todas acabei me rendendo àqueles óculos que deixam
qualquer um mais bonito se as luzes estiverem apagadas. Isso porque não havia
um Cineplex ou Kinomark na vizinhança que não oferecesse apenas as versões em
3D dos respectivos filmes. Coincidência? Que nada. O 3D, cujo ingresso é bem mais
caro, está deixando de ser opção para se tornar A ÚNICA opção.
–
Como é mesmo aquela história bonita de que, no capitalismo, reina a liberdade e
o consumidor é quem manda? – provoquei um velho amigo entre um like e outro. Não um velho amigo como os
outros, capazes de enxergar um golpe quando estão diante de um: ele assina a Exame, defende as reformas e acredita na
Miriam Leitão.
–
Você é livre para não ir ao cinema. Te obrigam a assistir ao filme em 3D? Se
não tem sessão em 2D, pode optar tranquilamente por não assistir ou assistir em
3D. A escolha é sua. A liberdade é plena dentro daquilo que existe. Lamento,
mas o mercado não se ajusta ao gosto de poucos. Talvez sua vontade não consiga
mudar nem um nem outro.
–
Ahã. Do mesmo jeito que sou livre para comer abobrinha sem agrotóxico. “Mas voci
podi escolhir entri não comir i comir apenis orgâniquis”, você dirá em
meio a caninos cerrados. E eu direi que esses produtos são beeeeem mais caros,
queridão – o que exclui a maioria das pessoas. O material da verdadeira
liberdade não é um o-que-é definido
pela injustiça do mundo, e sim um o-que-deveria-ser.
Você viu O quarto de Jack, não viu? Espalhar
por aí que “a liberdade é plena dentro daquilo que existe” é afirmar que o
menino era “livre” dentro dos limites daquele cubículo.
Pasmem:
a discussão continuou noite adentro sem que ninguém xingasse a mãe ou apelasse
para insultos envolvendo coxinhas, mortadelas e demais partes da anatomia
humana. #Épossível
Dela
(da discussão), não restaram mágoas: só olheiras e a impressão de que todos somos
um pouco Jacks, com nossas escolhas reduzidas pelo capitalismo, pelo mercado,
pela crise – o nome que se queira dar a esta sombra que está aí, aqui, em todo
lugar; que estava no metrô do dia seguinte, onde dois rapazes botavam trilha
sonora na viagem até serem retirados do vagão por seguranças. De repente me
lembrei dos músicos do Theatro Municipal carioca, que não recebem salários há
meses: impedidos de tocar no palco, é provável que também o fossem no trem.
Liberdade?
A
palavrinha que já perseguiu personalidades como Pessoa (o Fernando) e Pires (o
Alexandre) me algemou de jeito. Mais tarde, dei com um grupo de seis ou sete
homens deixando um restaurante. Hora do almoço e, presumi, voltavam para a
senzala, digo, o trabalho. Certamente eram todos livres, independentes, donos
do próprio nariz: com aqueles sapatos sociais entre o black e o off-black; com
aquelas calças sociais entre o cinza e o plúmbeo; com aquelas camisas sociais
entre o rosa-salmão e o salmão-rosa – dobradas precisamente na mesma altura dos
braços.
Liberdade?!
Tio
Adorno já ensinava que “o consumidor não é soberano, como a indústria cultural
quer fazer crer; não é seu sujeito, mas seu objeto”. O Sistema não só alimenta
a ilusão de que inexiste um Arquiteto à la Matrix, que determina desejos e
sonhos de consumo; ele ainda recheia com os agrotóxicos da propaganda a
abobrinha de que nosso caminho é tão somente fruto de decisões individuais.
Longe disso. Qualquer querela sobre liberdade transborda e transcende o aceito ou não aceito, o quero ou não quero, o assisto ou não assisto em 3D.
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