Uma
das lições mais valiosas que aprendi com meu pai, craque das contas e descontos,
foi jamais guardar o que sobrasse do salário.
Calma,
não o interpretem mal – que ele não me ensinou a viver cigarramente. A ideia
era formiguinhamente o contrário: guardar sempre uma fração dos vencimentos –
por menor que fosse – e passar o mês com o resto. Essa poupança compulsória
serviria para emergências e sonhos. Nota de esclarecimento: emergências, às
vezes, são sonhos que andam com pressa de sair do papel, como férias no Japão (com
direito à Disney de lá), uma festinha anos-oitenta pra comemorar o níver de
casamento ou aquela repaginada no apê. Tal definição de “emergências”, porém, só
existe no meu dicionário. Nada a ver com o manual paterno de finanças, fique
claro.
Um
parêntese inadiável: (de repente, descobrimos que separar parte do que se ganha
para emergências não é lição seguida apenas nos orçamentos domésticos mais
prudentes. Grandes empresas brasileiras fazem o mesmo há décadas. Só que, no
dicionário delas, “emergências” significam “milhões em propinas”. E depois seus
donos ainda vêm dizer que os direitos dos empregados é que pesam no orçamento. Ah,
tá).
Mas
não é desse tipo de orçamento – ou daquele que inclui água, luz, telefone e
sertralina – que eu quero falar. A matemática hoje é outra.
Quanto
do seu dia você reserva para aquele livro que continua solteiro na estante? para
aquela receita de ceviche que você viu no Masterchef? para aquelas fotos de mil novecentos e balão mágico que
prometeu digitalizar? para aquele sol na varanda rico em vitamina D? para
aquela mensagem de aniversário que vá além do parabéns-muita-saúde-tudo-de-bom?
para aquele beijo que te deixa sem fôlego e com vontade de recuperá-lo só para
perdê-lo de novo?
Quanto
da sua semana você reserva para o filme que estreou na última quinta? para a
corridinha no calçadão ao som de “Eye of the tiger”? para as happy-hours com aqueles
amigos que te fazem rir mais do que qualquer astro do stand-up (e nem te cobram
um rim por isso)? para os textos do amigo comuna-petralha-esquerdopata-defensor-de-bandido
que vão te ajudar a interpretar as entrelinhas dos jornalões?
Quanto
dos seus anos você reserva para viajar até a cidadezinha onde nasceu Guimarães
Rosa? para conhecer a vinícola onde há de tomar seu melhor porre? para se
perder na floresta onde reina o maior cajueiro do mundo? para flanar o bairro
onde mora Amélie? para sentar no banquinho onde a Mafalda tira foto com seus
leitores? para jantar no castelo onde vive a Cinderela? para dançar no bar onde
os Beatles tocaram juntos pela primeira vez? para saborear um pastel de nata no
café onde Pessoa batia ponto e poesia?
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