Poucas
coisas na vida me fizeram sentir tanta vergonha dos meus colegas de gênero quanto
os movimentos #MachosUnidos e #ForçaZéMayer, que surgiram nas redes sociais em
solidariedade ao ator que reconheceu ter assediado a figurinista Susllen
Tonani. Uma dessas coisas certamente foi o diálogo que me vi intimado a travar
– e do qual reproduzo os melhores piores momentos – com um amigo de um amigo
de um amigo no Facebook, dias atrás.
Só
peço que não tirem as crianças da
sala – que elas têm de ser educadas desde o útero sobre a machocracia que ainda
submete as mulheres a todo tipo de violência.
“Chega
de mimimi. Que as mulheres conquistem seu espaço, mas que isso não transforme todos
os homens em estupradores e agressores.”
Deixe
que eu lhe explique a frase “Os homens são machistas”: essa generalização é só
uma forma de mostrar que o machismo não é exceção, algo que um ou outro amiguinho
nosso pratica de vez em quando (tão raramente quanto lavar a louça ou ir à
reunião na escola); serve apenas para reforçar a ideia de que a supremacia masculina
é regra, tem caráter histórico e se estrutura numa relação de desigualdade
socialmente aceita e tão naturalizada, que usuários de cueca (como nós) muitas
vezes nem percebem. Mas pode dormir tranquilo e com a luz apagada – que o
feminismo é capaz de ver os cinquenta tons de cinza (e vermelho e amarelo e
azul e verde) que você não enxerga nem numa reles sentença.
“Esses
ismos me preocupam. A sociedade está indo na direção oposta ao ideal de igualdade.
O que falta as mulheres conquistarem?”
Quer
que eu desenhe? Que tal igualdade salarial? Em média, elas recebem 25,6% menos
do que os homens, ainda que desempenhem as mesmas funções e tenham a mesma
formação educacional. Que tal uma divisão justa da jornada de trabalho? Elas
costumam trabalhar 7,5 horas a mais por semana, já que assumem a maior parte dos
afazeres domésticos. Que tal mais representatividade? Dê uma olhada no
Congresso Nacional, nas assembleias legislativas, nas câmaras municipais: as
mulheres mal ocupam 10% das cadeiras. Nossos números são inferiores (cuidado
para não desfalecer) aos do Oriente Médio, que tem uma taxa de participação
feminina de 16%.
“Cadê
a delegacia para tratar homens agredidos por esposas? Quais os direitos que nós
temos que nos protegem dos ataques diários que sofremos por parte das mulheres?”
Suas
reivindicações de macho-alvo fazem parecer 1) que maridos, namorados, peguetes
e afins são regularmente submetidos a maus-tratos pela vil ditadura do
matriarcado e 2) que uma delegacia só para mulheres é um privilégio. Não é. Estamos
num país em que, a cada onze minutos, uma mulher sofre algum tipo de violência.
Mulheres são agredidas e assassinadas por serem mulheres (assim como homossexuais
são agredidos e assassinados por serem homossexuais). Homens não são agredidos
e assassinados por serem homens (assim como héteros não são agredidos e
assassinados por serem héteros). Homens podem ser agredidos e assassinados por
serem negros, mas aí já é um outro crime (chama racismo, ouviu falar?). Vou lhe
contar uma historinha que ilustra bem a sociedade em que vivemos: certa vez,
perguntei a um grupo relativamente grande de pessoas quem ali tinha medo de
pegar um táxi sozinho à noite. Só as mulheres levantaram a mão.
“O
que eu sei é que elas têm dezenas de defensores porque são vistas como sexo
frágil. Tenho uma amiga que é taxista e costuma viajar na madrugada, de um
estado para o outro, com desconhecidos. Ela faz musculação, é faixa preta em caratê,
treinou jiu-jitsu e já nocauteou marmanjo atrevido que se meteu a besta com
ela. Não teme bandido.”
(Eu
que fui às cordas depois dessa. Como já era tarde, só tive forças para
balbuciar uma derradeira resposta, antes de me desconectar e correr para o
travesseiro:)
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