Recentemente,
assisti a uma reportagem do Jornal
Nacional sobre como “a preocupação com a segurança está mexendo com os
hábitos e pesando no bolso dos brasileiros”. Até aí nada de mais, a não ser o
fato de um simpatizante da Aliança Rebelde como eu ainda dar audiência (mesmo
que eventualmente) ao noticiário oficial do Império Galático.
Sabe
o ditado popular que diz “os amigos a gente mantém perto; os inimigos, mais
ainda”? Então. Mais ou menos por aí.
Mas
vamos à matéria, que continuo ruminando semanas depois de ter ido ao ar: os
repórteres percorreram a cidade de São Paulo (só as ruas de arranha-céus
espelhados, é bom frisar) e entrevistaram um corretor e uma corretora de
seguros, além de um consultor financeiro – todos brancos. Os três já haviam
sido vítimas da violência urbana: o corretor teve roubados objetos que estavam
dentro de seu carro; a corretora, por sua vez, foi surpreendida por um sujeito
com um caco de vidro quando dirigia seu carro; já o consultor, ao estacionar (adivinhem)
seu carro, foi abordado por um motociclista e acabou com uma arma apontada para
a cabeça. Observação sobre o último entrevistado: ele chegou a dizer que estava
à procura de um modelo blindado; lamentou, porém, que fosse 30, 40% mais caro
que o normal.
Se
você leu essa descrição atentamente e não entendeu o motivo de tanta ruminação,
precisa já rever seus conceitos.
Como
pode uma reportagem sobre violência no Brasil não percorrer periferias,
subúrbios, favelas, se é nesses espaços que acontece a maioria dos homicídios
dolosos ou por balas (nem sempre) perdidas? Como pode uma reportagem sobre
violência no Brasil não entrevistar quem mora nesses lugares (a população mais
pobre e vulnerável)? Como pode uma reportagem sobre violência no Brasil não visitar
o Nordeste, região onde se registra a maior taxa de mortes violentas para cada
cem mil habitantes? Como pode uma reportagem sobre violência no Brasil não ouvir
jovens negros, cujas chances de serem assassinados são 147% maiores do que de
jovens de outros grupos étnicos? Como pode uma reportagem sobre violência no
Brasil não escutar policiais – que, se por um lado são os que mais matam no
mundo, por outro estão entre os que mais morrem?
Como
pode uma reportagem sobre violência no Brasil ignorar o próprio Brasil?
Aos
neurônios mais desatentos, a matéria passa a ideia de que só as pessoas
brancas, só a classe média, só os donos de automóvel sentem medo e são vítimas
da violência em nosso país. Mas será que o Amarildo, a Claudia, o DG, a Maria Eduarda
e tantos outros também não sentiram medo antes de serem desaparecidos,
arrastados ou alvejados pelas probabilidades? Será que essa gente – que não tem
o perfil dos entrevistados padrão-Globo-de-qualidade – não merece a empatia de
quem está diante da tevê? Não merece uma vida blindada contra a incerteza de
voltar para casa?
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