E
finalmente chega o dia em que seu filhote, acostumado a ouvir histórias antes
de dormir, cisma com a mais eletrizante ever:
a de um elefantinho ameaçado de não participar de um concerto na selva por ter
entupido a tromba ao sugar algo. Ai de você se se recusar a contá-la de novo. E
de novo. E de novo, de novo, de novo.
Paciência
– recomenda uma amiga pós-graduada em infâncias. O que parece sem sentido para
o adulto, ela continua, é imprescindível para o desenvolvimento emocional e
intelectual da criança. A repetição não só propicia a ligação afetiva dela com
o mundo, como também facilita sua aprendizagem. É supernormal, portanto, que pequenas
e pequenos queiram escutar uma mesma história mil e uma vezes.
É
como se estivessem digerindo (bem) aos poucos um alimento novo.
Essa
explicação me fez voltar no tempo; aos anos oitenta, para ser mais preciso.
Lembro que, ainda menino, assisti muito – mas muito mesmo – a um filme chamado Santa Claus: a verdadeira história de Papai
Noel. O pobre do videocassete era coagido a engolir diariamente aquela
gravação de algum Cinema em casa do
SBT. Não sei como a fita (e minha mãe, quase sempre comigo) resistiu a tantas
sessões.
Também
não sei o que eu buscava elaborar dentro de mim que exigia reprise em cima de
reprise: que só na ficção velhinhos são imortais? que só no cinema renas voam?
que só na fantasia elfos existem? que só em sonho crianças do mundo inteiro,
das mais ricas às mais pobres, ganham brinquedos – e brinquedos do mesmíssimo
fabricante – na noite de Natal? que só num delírio hollywoodiano megaempresários
inescrupulosos como B. Z. (John Lithgow) vivem infelizes para sempre?
Outra
pergunta que requer a opinião de um especialista: por que certos repetecos vencem
a infância e alcançam a chamada maturidade? Exemplo disso é que até hoje paro o
que estiver fazendo quando ouço a musiquinha “Lá vem o Chaves, Chaves, Chaves,
todos atentos olhando pra tevê...” – e revejo o mesmo episódio pela enésima
vez. Será meu cérebro ainda downloadiando o conceito de bola quadrada?
Ainda
hei de achar um doutor que me ajude a encontrar respostas.
Mas
respostas não só para minhas obsessões por filmes natalinos e seriados
mexicanos – que essas são individuais e inofensivas. O que me joga mesmo no
divã, hoje em dia, é tentar entender a razão da crescente tara coletiva em
querer pôr no repeat os piores capítulos
da História, em querer rebobinar tempos que invariavelmente começaram com intolerância
e acabaram em holocausto; tempos sombrios, protagonizados por grandes empreiteiros
do ódio, líderes boquirrotos cujos discursos serviram (ainda servem) apenas
para cimentar muros entre mulheres e homens, gays e héteros, negros e brancos,
não cristãos e cristãos, imigrantes e nativos.
Haverá
terapia para os marmanjos que não superaram a fase da repetição e, por isso, teimam
em espalhar que vale a pena ver de novo o que de mais nefasto a mente humana já
produziu? Ou todos nós seremos obrigados – por causa desses seres birrentos e malcriados
– a revisitar tragédias que não merecem remake?