A
ideia era enxergar o verde em meio aos destroços.
Era
escolher as palavras possíveis para resgatar – da tragédia que vitimou quase o
time inteiro da Chapecoense, além de jornalistas e tripulantes – a esperança
ainda com vida.
O
texto que parecia improvável começou a ganhar forma quando clubes espalhados
pelo país substituíram seus escudos nas redes sociais pelo brasão da Chape.
Depois, num gesto que transbordou a mera solidariedade virtual, ainda se
comprometeram a emprestar jogadores sem custo ao time catarinense e a defender seu
não rebaixamento pelos próximos três anos, numa tentativa de ajudar em sua
recuperação.
"Brasília em ruínas", Oscar Niemeyer |
A
comoção foi tão forte, que até o inimaginável aconteceu: o Corinthians pintou
de verde sua página na internet.
Enquanto
isso, fora das quatro linhas, um famoso site perdia leitores (e os tão
disputados cliques) ao pular a catraca do bom senso e publicar matérias tipicamente
oportunistas, como um artigo que ensinava a lidar com o medo de voar e – pasmem
– um vídeo com passageiros em pânico num avião. Já uma loja de artigos esportivos
virou alvo da ira pública ao aumentar o preço da camisa da Chape poucas horas
após o acidente. Mais tarde, a empresa se pronunciaria: o valor havia sido
reduzido por causa da Black Friday e o preço original tinha sido apenas
restabelecido. Verdade ou não, a antipropaganda já estava feita.
Até
a área de comentários de grandes portais como G1 e UOL parecia ter sofrido um
saneamento básico: paz e amor no lugar do usual chorume.
Não
bastassem todas essas demonstrações de empatia, o Atlético Nacional pediu à
Conmebol que declarasse campeão o time brasileiro, seu adversário na final da
Copa Sul-Americana. A atitude dos colombianos – surpreendente num mundo onde
costuma prevalecer a máxima “farinha pouca, meu pirão primeiro” – repercutiu
tão bem do lado de cá da fronteira, que imaginei que ela pudesse servir de
inspiração aos brasileiros, em especial aos nossos parlamentares, habituados a
sempre sacrificar os mais vulneráveis em momentos de turbulência econômica.
Ingênuo,
eu.
Eles
aproveitaram o luto que tomou conta do país – e a indiferença cúmplice da grande
mídia, dedicada quase exclusivamente ao desastre aéreo – para aprovar cortes em
investimentos sociais pelas próximas duas décadas (a despeito das manifestações
contrárias ao ajuste que aconteciam a poucos metros, violentamente reprimidas
pela polícia) e alterar alguns projetos de lei que poderiam contribuir no
combate à corrupção; tudo isso entre uma noite de dor e uma madrugada de
tristeza, o que deixou no ar uma hedionda fragrância de autopreservação e
oportunismo.
A
ideia, eu já disse, era enxergar o verde em meio aos destroços.
Só
que atos como esses – que desnudam não só os verdadeiros vândalos da nação,
como o nível de obscenidade a que chegamos – insistem em levar as palavras até os
destroços. Tais atos fazem jus, inclusive, à tirada de gosto muit(íssim)o
duvidoso, mas de conteúdo infelizmente realista, que ouvi esses dias e ouso
repetir antes do ponto final:
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