Se
A chegada fosse um verbete de
dicionário, certamente ocuparia várias páginas – tantas são as definições para
o mais novo filme de Denis Villeneuve.
Uma
das primeiras e mais óbvias seria ficção científica, dada a sinopse tão cara ao
gênero: depois que naves alienígenas pousam em diversas partes do mundo,
inclusive nos Estados Unidos, a linguista Louise Banks (Amy Adams) e o físico
Ian Donnelly (Jeremy Renner) são convocados pelo governo americano para
decifrar a língua e os planos dos visitantes.
O
mote aparentemente surrado, no entanto, não serve à enésima destruição em massa
de cartões-postais. Desta vez, o novo endereço de Donald Trump não vai pelos
ares (o que não deixa de ser uma decepção). A pirotecnia tipicamente
hollywoodiana cede espaço ao que a ficção científica faz de melhor: usar o
fantástico como pretexto para discutir o real e o humano – o tal demasiadamente
humano.
Importa
ao diretor dos ótimos Incêndios e Os suspeitos observar, por exemplo, a
reação apavorada de alguns de nós diante do desconhecido, do diferente: somos capazes
de – incitados por discursos xenófobos – quase iniciar um conflito armado mesmo
não entendendo o idioma e as intenções do outro, como mostram os soldados que põem
uma bomba numa das naves depois de tanto assistirem a um Datena na tevê.
Outro
comentário proposto pelo cineasta (spoiler! spoiler!) está na mensagem dos
aliens aos humanos, intencionalmente dividida entre os dozes discos espalhados
pelo planeta. Traduzi-la integralmente só será possível se houver colaboração
entre as nações. O fato de os ETs não fazerem isso porque têm o dedinho
iluminado e desejam promover a paz – mas porque esperam uma contrapartida num
futuro distante – afasta qualquer possibilidade de abdução por pieguice.
Se
aprofundados, esses temas sem dúvida levariam o longa a ser interpretado como
ensaio sociológico ou político; eles empalidecem, todavia, frente à definição
que mais se aproxima da essência do filme: história de amor. Não uma história
de amor (contada) como as outras. Mas uma história de amor que se vale do
roteiro de Eric Heisserer (baseado no conto “História da sua vida”, de Ted
Chiang) e da montagem de Joe Walker para estilhaçar a linearidade do tempo e
expor a incoerência poética de um sentimento que insistimos viver mesmo sabendo
que, cedo ou tarde, acabará em morte e dor – mesmo sabendo que só é infinito
enquanto dura.
Não
por acaso, a certa altura, Louise confessa a Ian sentir que tudo aquilo que
está acontecendo parece ter a ver apenas com os dois. Só tem. Uma aliança de
casamento – vista em plano-detalhe nos primeiros minutos de projeção – reverbera
em outras formas circulares que povoam a narrativa, como a linguagem dos
alienígenas, o nome em palíndromo de certa personagem e a própria estrutura do
roteiro.
O
fim (ou o começo) faz o espectador voltar ao início (ou ao desfecho) e se
perguntar se o título do longa se refere somente à chegada dos extraterrestres.
São
tantas as leituras suscitadas por esse scifi villeneuveano que, em última
análise, é possível compreendê-lo também como um tributo ao cinema. É isso ou o
design de produção não faria do interior da nave frequentada pelos
protagonistas um corredor escuro, que leva a uma sala igualmente escura, onde
só existe uma fonte de luz: um imenso retângulo branco em posição horizontal, no
lugar de uma parede, como uma vitrine – a janela usada pelos aliens para se
comunicar com os cientistas.
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