domingo, 20 de dezembro de 2015

Olhos nos olhos

Uma pena que Chico – artista brasileiro, documentário de Miguel Faria Jr., fique restrito a poucos cinemas. Uma pena ainda maior que seja visto apenas (ou na quase totalidade dos casos) pelos fãs de sua música, pelos leitores de seus romances, pelos admiradores de sua postura política, pelas senhorinhas que se afogariam felizes naqueles dois mares separados por um nariz.

Mais ou menos como suas peças, que sofriam com a censura antes de serem liberadas e, no fim das contas e dos cortes, eram apreciadas tão somente por quem já compreendia que o país vivia num regime autoritário. Os que mais avançariam na escala de evolução se assistissem ao filme – os walking deads que não se cansam de repetir, por exemplo, que no tempo da ditadura é que era bom – acabam nem chegando perto da bilheteria.

E perdem a chance de tomar um cálice de lucidez ao não escutarem aquele moço de mais de setenta anos rejeitar quaisquer nostalgias. Uma delas: a dos órfãos da bossa nova, que não só choramingam saudades de quando os garotos de Ipanema mandavam no gosto popular, como ainda rotulam de brega toda nota que não caiba em sua partitura estética. Não lhes ocorre que hoje a música do interior e da periferia – talvez a que mais represente o ouvido brasileiro – chega a toda a nação. E isso é bom, conclui o autor de “Paratodos”.

Assim como é bom ver os aeroportos cheios – ainda que o saguão de embarque, para desespero de alguns, conte cada vez menos ternos e cada vez mais chinelos.

Chinelos: impressão de que os pés de Chico descansam neles a projeção inteirinha, tamanha é a sua naturalidade ao abordar temas sérios – como a repressão militar ou a procura pelo irmão perdido – e contar causos divertidos – como o show que fez com Toquinho na Itália, quando tiveram de tocar “A banda” umas cinco vezes e apelar até para “Mamãe, eu quero”, na tentativa de animar uma plateia de quinze testemunhas.

Outra palhinha dessa simplicidade franciscana que permeia todo o filme, e que pode surpreender os desavisados – por vir de um sujeito considerado um dos grandes da música brasileira –, surge no depoimento de um de seus funcionários sobre o costume do cantor de fugir de seu camarim para ficar no de seus músicos: “Já sabemos que é ele; é o único que bate antes de entrar”.

Entremeado com joias buarqueanas interpretadas por artistas tão diferentes quanto Adriana Calcanhotto e Mart’nália, Péricles e Ney Matogrosso, além de trechos de sua obra literária lidos por Marília Pêra – o que por si só já valeria o ingresso –, Chico nos dá uma oportunidade rara de entrar sem bater nas rodas vivas que são os olhos do poeta que jamais deixou a banda da História passar.

Um homem que – mesmo quando refestelado, ao lado de Tom e Vinicius, na mesa de um bar ou jogando uma pelada com os amigos – nunca esteve à toa na vida.

2 comentários:

  1. Bom dia!
    Sou professora de História e quão me doe a alma ver nossos jovens ignorantes da História tão recente do nosso país! Seu texto é suave e forte e um grande colaborador para enriquecer esses momentos coletivos que é a aula. Parabéns e obrigada!

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    1. Adorei receber seu comentário, Maria Inez. Brigadíssimo! Sinta-se à vontade para utilizar o texto em suas aulas, se julgar conveniente. Um grande abraço.

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