Uma
pena que Chico – artista brasileiro,
documentário de Miguel Faria Jr., fique restrito a poucos cinemas. Uma pena
ainda maior que seja visto apenas (ou na quase totalidade dos casos) pelos fãs
de sua música, pelos leitores de seus romances, pelos admiradores de sua
postura política, pelas senhorinhas que se afogariam felizes naqueles dois
mares separados por um nariz.
Mais
ou menos como suas peças, que sofriam com a censura antes de serem liberadas e,
no fim das contas e dos cortes, eram apreciadas tão somente por quem já compreendia
que o país vivia num regime autoritário. Os que mais avançariam na escala de
evolução se assistissem ao filme – os walking deads que não se cansam de
repetir, por exemplo, que no tempo da ditadura é que era bom – acabam nem
chegando perto da bilheteria.
E
perdem a chance de tomar um cálice de lucidez ao não escutarem aquele moço de
mais de setenta anos rejeitar quaisquer nostalgias. Uma delas: a dos órfãos da
bossa nova, que não só choramingam saudades de quando os garotos de Ipanema mandavam
no gosto popular, como ainda rotulam de brega toda nota que não caiba em sua
partitura estética. Não lhes ocorre que hoje a música do interior e da
periferia – talvez a que mais represente o ouvido brasileiro – chega a toda a
nação. E isso é bom, conclui o autor de “Paratodos”.
Assim
como é bom ver os aeroportos cheios – ainda que o saguão de embarque, para
desespero de alguns, conte cada vez menos ternos e cada vez mais chinelos.
Chinelos:
impressão de que os pés de Chico descansam neles a projeção inteirinha, tamanha
é a sua naturalidade ao abordar temas
sérios – como a repressão militar ou a procura pelo irmão perdido – e contar
causos divertidos – como o show que fez com Toquinho na Itália, quando tiveram
de tocar “A banda” umas cinco vezes e apelar até para “Mamãe, eu quero”, na
tentativa de animar uma plateia de quinze testemunhas.
Outra palhinha dessa simplicidade franciscana que permeia todo o
filme, e que pode surpreender os desavisados – por vir de um sujeito considerado
um dos grandes da música brasileira –, surge no depoimento de um de seus funcionários
sobre o costume do cantor de fugir de seu camarim para ficar no de seus
músicos: “Já sabemos que é ele; é o único que bate antes de entrar”.
Entremeado com joias buarqueanas interpretadas por
artistas tão diferentes quanto Adriana Calcanhotto e Mart’nália, Péricles e Ney
Matogrosso, além de trechos de sua obra literária lidos por Marília Pêra – o
que por si só já valeria o ingresso –, Chico
nos dá uma oportunidade rara de entrar sem bater nas rodas vivas que são os
olhos do poeta que jamais deixou a banda da História passar.
Bom dia!
ResponderExcluirSou professora de História e quão me doe a alma ver nossos jovens ignorantes da História tão recente do nosso país! Seu texto é suave e forte e um grande colaborador para enriquecer esses momentos coletivos que é a aula. Parabéns e obrigada!
Adorei receber seu comentário, Maria Inez. Brigadíssimo! Sinta-se à vontade para utilizar o texto em suas aulas, se julgar conveniente. Um grande abraço.
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