Era
um desses programas de viagem. A apresentadora mostrava os cinco castelos
imperdíveis da Europa. Estava no top one – Neuschwanstein, Alemanha – quando
olhou para a câmera e, sem o menor pudor, revelou que aquele palácio,
construído na segunda metade do século dezenove, tinha inspirado Walt Disney a
erguer o Castelo da Bela Adormecida em Orlando, nos Estados Unidos.
Corta
para o jornal da hora do almoço: a moça do tempo explicando que o megaterremoto
que atingiu o Chile há algumas semanas fora causado pelo afastamento de duas
placas tectônicas, a Sul-Americana e a de Nazca. Errado, esperneou um amigo geógrafo
– que esclareceu que ambas são convergentes e, portanto, causam abalos sísmicos
quando se chocam, isto é, quando uma vai em direção à outra.
Falhas como essa não chegam a provocar um tsunami de indignação – mas deveriam nos
deixar em estado de alerta para catástrofes maiores.
Catástrofes
como a que aconteceu numa recente edição daquele dominical famoso por transformar
os gols da rodada em teatrinho de fantoches. Era uma reportagem sobre Que horas ela volta? – o filme estrelado
por Regina Casé que trata das promiscuidades ainda existentes, em nosso país, na
relação entre patrões e empregadas domésticas.
Pensando
bem, não era uma reportagem sobre esse
filme. Afinal, em vez de sublinhar o tom crítico da fita, a matéria optou por
ressaltar os laços de família e fofura que uniriam tais personagens na vida
real. Pior: ainda ilustrou a questão com um caso que se opunha ao enredo do
longa – o da filha de uma empregada que, mesmo após a mãe pedir demissão, continuou
na casa dos patrões, sendo criada por eles com todo love, love, love. “A gente está falando de pessoas, de respeito, carinho,
amizade, amor. E nada disso se escreve na carteira de trabalho”, completava o
repórter em off, enquanto eu ia ao banheiro devolver ao mundo o misto que havia
acabado de ingerir.
Que
jornalismo é esse que usa cenas do tipo Julie-Andrews-cantando-dó-ré-mi-nas-montanhas
para contar uma história cuja trilha sonora ainda são os ecos das chibatadas?
Última
zapeada antes de encerrar: mesa-redonda sobre política e economia naquele canal
de notícias que nunca desliga. O jornalista-mediador ouve um ex-ministro afirmar
– baseado num estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) – que o Brasil dá mais do seu PIBito para a educação do que
países mais ricos e, mesmo assim, sofre com a baixa qualidade do ensino. A
informação, claro, leva o âncora a revirar suas célebres olheiras e a sugerir a
urgência de se cortarem gastos na área, de se tornar a gestão mais
eficiente, de se premiar o professor por resultados – a dieta de austeridade
e meritocracia que nos tem sido empurrada goela abaixo por nutricionistas liberais.
Sobem
as letrinhas, o programa termina.
Não
para os meus neurônios, que exigiram um Google (sempre ele) no tal estudo da
OCDE. Foi a vez de as minhas olheiras revirarem. Se por um lado era verdade que
nossas despesas com educação superavam as de países mais ricos, quando se
consideravam os respectivos PIBitos, por outro era igualmente verdade que – em
razão do grande número de estudantes no Brasil – nosso gasto com cada guri era
apenas o penúltimo numa lista de 34 nações, incluídas aqui outras dez em
desenvolvimento.
A
não ser que o último lugar rendesse ao país uma revolta do giz promovida por alunos
e professores, com apoio da população e da mídia, reduzir ainda mais os
investimentos em educação não me parecia ser a melhor alternativa para impedir
uma bolota vermelha no boletim. Será que o famigerado jornalista – grisalho de
tanta credibilidade – não tinha os dados completos da pesquisa da OCDE, ou resolveu
omitir o que não interessava só para ajustar os fatos ao que realmente queria
dizer?
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