Como
são as coisas: o vice-presidente Michel Temer compara o ministro Joaquim Levy a
Jesus Cristo e nenhum feliciano se pronuncia contra uma blasfêmia dessas. Que
eu saiba, o mentor do ajuste fiscal – responsável pelo aumento de impostos e
por cortes na saúde e na educação – não representa uma classe oprimida ou
injustiçada; muito menos é um subversivo, ainda mais quando se trata de
economia.
O
mesmo não se pode dizer, no entanto, da atriz transexual (Viviany Beleboni) que, na Parada Gay do
último domingo, assumiu o papel de Cristo crucificado para protestar contra os crimes
sofridos pelos homossexuais mundo afora. Ela, sim, encarna uma categoria ampla
e historicamente perseguida – e, portanto, faz todíssimo jus à cruz que
carregou pela Avenida Paulista durante o evento.
Certeza de que o Jesus ao qual fui apresentado – um homem inteligente e
sinônimo de amor segundo a tradição cristã – aprovaria a encenação.
Não
houve ali, como alguns malafaias espalharam pelas redes sociais, ataque à fé ou deboche ao sagrado. Ao contrário. A escolha do mais emblemático símbolo
cristão – que encerra o sofrimento de todos os excluídos e marginalizados pela
sociedade, sejam eles homens ou mulheres, hétero ou homossexuais – só sublinha
o respeito da comunidade gay pela figura em questão.
Difícil
entender que, no instante em que Viviany resgata a Paixão, ela reconhece – em
nome dos seus – o abrigo que a imagem representa para cada um que nela
acredita?
Dificílimo,
sim, para a massa que se deixa contaminar pelo perigoso vírus da imbecilidade,
da parvoíce, da indigência cognitiva (os nomes são vários) que adoece o país. Um
vírus inoculado por criaturas que só têm interesse em lucrar com a ignorância
alheia. A propósito, quantos dinheiros não devem render a certas igrejas (sic) “tratamentos”
como o da cura gay?
Curiosidade:
essas mesmas criaturas não atiraram suas pedras quando, em 2012, a revista Placar pôs na capa um Neymar
crucificado, sob a justificativa de que o jogador (à época chamado de cai-cai)
teria virado “bode expiatório em um esporte onde todos jogam sujo”. Nesse caso,
sim, talvez coubesse alguma indignação: afinal, o então craque do Santos não
era – jamais foi, pelo menos a partir do momento em que se tornou profissional
– um excluído, um marginalizado.
Ali
era evidente o uso sensacionalista da imagem sagrada para os cristãos; era
óbvio o fim meramente comercial. Mas a lógica do lucro a qualquer preço – tão
cara aos que se julgam corretores do Céu e do Inferno, incessantemente (em)pregada
por eles em seus shopping centers da fé – não costuma alarmá-los. Para esses seres
ungidos com óleo de peroba, pecado capital é perder um bom negócio.
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