Mind
the gap e, antes que as portas se fechassem, uma trupe de artistas tomou o
metrô de assalto. Assalto dos bons: poesia à mão armada. Batucaram duas ou três
modinhas e lembraram aos passageiros – pelo menos àqueles com ouvidos livres de
smartphones – que não tem vida quem não tem saudade. Só esse verso já valia o
couvert.
Não
falavam (creio eu) daquela saudade que nos paralisa diante de um álbum de
fotografias, de um vestido de casamento, de um brinquedo com a pintura lascada.
Não falavam daquele sentimento que nos impede de fazer o check-in com o
presente e comprar uma passagem só de ida para o futuro.
Falavam
daquela sensação de missão cumprida que deixa o travesseiro macio, que dá a
certeza de que cada dia até ali valeu a vigília.
Saudade
eu tenho do sacolé de groselha da vó; do tec-tec da máquina de costura da outra
vó; da carona do vô até a escola; do recreio sabor mirabel; da mãe me vestindo
de Superman pro Carnaval; do pai me ensinando a passar as marchas no Fusca; do
mano dividindo o Atari comigo.
Também
tenho saudade das tardes com o Ferris matando aula; do cloro perfumando a
piscina do clube; dos pés imundos após a pelada no play; dos beijos que não dei
na menina mais bonita do colégio; dos planos de construir um castelo com o dinheiro
que acumulasse no Banco Imobiliário.
Tenho
saudade até – pasmem – do mundo sem celulares.
Mas
essa incessante nostalgia não significa incorporar o vocalista dos Fevers e
cantar: a gente era feliz e não sabia. Eu sabia. Podia não saber com todas as
palavras. Mas quem é que sabe alguma coisa com todas as palavras? O Machado, o
Drummond, o Guimarães Rosa? Um baixinho ainda no prólogo de seu romance é que
não.
O
que importa é que tantas saudades não foram (não são) algemas. Jamais
impossibilitaram o lápis de continuar sua aventura rumo a páginas inexploradas.
Os
capítulos que rabisco hoje nem são melhores, nem são piores do que os já
escritos. Mas estes – os já escritos – tiveram suas frases tão bem pontuadas, seus
substantivos tão bem escolhidos, seus verbos tão bem conjugados, que só posso
sentir os dedos leves para redigir novas saudades.
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