O
filmaço escrito e dirigido por Damián Szifron renderia tantos textos e,
consequentemente, tantos títulos para eles que, na incapacidade de escolher um
só, deixo todos à disposição do leitor: “V de vingança”, “Um dia de fúria”, “Perto
do coração selvagem”, “Instinto selvagem”, “Eles estão descontrolados” e assim
até a loucura. Cada um deles ajuda a dar uma ideia do que trata o longa
argentino (Relatos salvajes no
original).
Em
seis histórias aparentemente cotidianas – que vão de um sujeito que tem seu
carro rebocado a uma noiva que descobre a traição ainda na festa de casamento
–, os personagens perdem as estribeiras e passam a agir como se não houvesse a
tal lei do amanhã, que em geral nos faz contar até dez antes de voar no pescoço
do chefe injusto, de furar os olhos do marido ou marida que nos traiu, de
sequestrar e botar no micro-ondas o papagaio do 102, que não para de tagarelar
desde a noite passada.
O
primeiro e mais curto episódio, que antecede os créditos iniciais, já nos reserva
lugar num avião em que todos os passageiros (coincidentemente?)
conhecem um mesmo rapaz. O curta funciona como síntese do que veremos a seguir:
histórias à beira de um ataque de surrealismo – que, no entanto, jamais deságuam
na inverossimilhança. Ali a reação mais destemperada, a revanche mais
primitiva, é sempre possível, provável até. Os muros do superego, da razão e do
bom senso são derrubados pelos black blocs que residem em cada um de nós.
Além
disso, o fato de parecer não haver limites para aquelas criaturas de repente
tomadas de cólera – vide o duelo extremamente violento entre dois motoristas no
terceiro conto – só amplifica a tensão e a imprevisibilidade das cenas
seguintes. E é aí que o filme ganha nervos de thriller, embora as atitudes radicais
de seus protagonistas – como as da noiva enganada – eventualmente provoquem
risos. Aliás, o humor sangra em várias passagens, como naquela em que um
policial pergunta a seus colegas se determinado incidente teria sido crime
passional.
Sangram
também sutilezas, ainda que o roteiro trilhe o caminho do exagero, às vezes até
do absurdo, numa tentativa de esgarçar a humanidade de seus personagens. Uma
delas se dá quando o especialista em demolições Simón (Ricardo Darín) prepara a
implosão de um prédio em meio a um corredor pouco iluminado, onde piscam
minúsculas luzes azuis; luzes semelhantes piscarão novamente em outro momento
da trama, a fim de advertirem delicadamente o espectador sobre o que está
prestes a acontecer.
O
que está prestes a acontecer (e acaba acontecendo com maior ou menor
intensidade em cada um dos relatos) se revela não só matéria digna do tabloide
mais sensacionalista, como também amostra singular – nem por isso menos real,
como temos visto nos noticiários e em toda a História – do que o ser humano é
capaz de detonar nas suas horas mais extremas: explosivos de som, fúria e
terror.