Assim
era a bolsa amarela onde Raquel – personagem do clássico romance de Lygia Bojunga –
guardava cada uma delas. Três eram as que mais estufavam seu tecido: a vontade
de crescer logo, a de ter nascido garoto e a de escrever. Com o tempo, as duas primeiras
emagreceram, voaram feito pipa e a deixaram mais leve. A terceira, por sua vez,
continuou imensa; mas, como a menina inventava uma história atrás da outra, não
dava chance de o desejo engordar em excesso e pesar demais.
Dessas
vontades, a de crescer eu nunca tive. Aliás, sigo não tendo. Os Mickeys que insistem
em se multiplicar pela casa não me deixam mentir. Já a vontade de ser (no meu
caso) menina talvez tenha ganhado um miligrama quando me disseram que eu, por
ser homenzinho, seria obrigado a servir o Exército e comer comida que não a da
mamãe. Por sorte, sobrei no alistamento – e a Fernanda respirou aliviada. Quanto
à vontade de escrever, essa eu controlo com a dieta de crônicas que meus treze
leitores conhecem bem.
Mas
se engana quem pensa que minhas vontades param por aí: tem a de chafurdar no
sorvete, que só diminui quando aumenta a glicose; a de sair viajando pelo mundo,
que só esvazia quando esvazia o bolso junto; a de não fazer a cama quando acordo,
em geral menor que a de ver a colcha impecavelmente esticada; a de transferir para
a segunda todo feriado que caia no finde (um desejo platônico, admito); a de
levar uma vida menos sedentária – vontade superfácil de manter em forma, já que
dá e passa no primeiro sofá.
Em
suma, carregar a bolsa nossa de todo dia nem megacheia, nem ultravazia é um
baita desafio. Às vezes é difícil achar a medida certa. A gente pena até
acertar na dose dos quereres e acaba desenvolvendo uma lordose de culpa aqui
(por ter cedido a essa ou àquela vontade), uma escoliose de remorso acolá (por não ter). Felizmente, porém, o passar
dos anos, a despeito das osteoporoses físicas, nos ensina que – com um dorflex
de boa vontade e exercícios regulares de bom humor – a missão é possível.
A coluna
agradece.
O
problema é que nem sempre as pessoas conseguem atingir esse equilíbrio. Falta-lhes
a postura de quem tem vontade – de aprender. Um breve passeio por aeroportos e
afins controlados pela Agência Nacional de Metáforas, e o que mais se vê é
passageiro na fila da Receita pagando excesso de bagagem. Não, não estou
falando daquele povo que chega de Miami com duas dúzias de Azzaros e dez pares
do mesmo Nike jurando que é tudo pra uso pessoal.
Falo
dos que abarrotam suas bolsas das piores vontades e de lá não as tiram nem sob
risco de condenação por tráfico de drogas. Falo dos que enchem a sacola alheia
com sua vontade de discriminar quem usa o aparelho excretor para o número três;
de disparar intolerância na direção de quem resolveu votar no vermelho e não no
azul; de compartilhar ignorância com os que estão à sua volta apenas para
ganhar quinze curtidas de fama.
Todos
quasímodos de tanto arrastar por aí capangas atochadas de má vontade. Má
vontade com a leitura para além das manchetes, má vontade com o estudo para
além dos prefácios. Por sinal, leitura e estudo deveriam ser itens
indispensáveis a qualquer carteira, valise ou mochila que levássemos mundo
afora – fosse ela verde, abóbora ou lilás, com uma ou duzentas divisões
internas, com ou sem segredo, made in China ou Chanel. Ambos são
imprescindivelmente úteis e não pesam quase nada.
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