Aconteceu
na última sexta. Eu já tinha liberado a turma, apagado o quadro, fechado a
mochila e o diário (para quem ainda não sabe, sou professor nas horas de
folga), quando uma aluna – treze, catorze anos – me surpreendeu com um tchau
até então inédito na minha biografia, de me deixar sem uma sílaba de saliva na
boca: “Até segunda, coroa”.
Passados
o susto, o espelho e uma breve recontagem dos cabelos brancos – que ainda não
chegaram aos três dígitos graças ao infalível tratamento
arranque-o-centésimo-toda-semana –, rumei para casa. A pé mesmo, já que não
moro longe da escola. Além do mais, naquele dia a caminhada me ajudaria a
digerir a palavrita aparentemente fora do lugar, certamente fora do tempo.
Meia
hora andando até o meu cafofo, distraído com o vaivém de calçadas e nuvens, eu
já estava praticamente recuperado do trauma. Foi aí que aconteceu de novo. Ao
parar diante do elevador, a poucos andares de desamarrar os sapatos, uma menininha
– três, quatro anos –, acompanhada provavelmente da babá, apontou para mim e
gritou sem o menor pudor de garganta: “Olha o garotinho querendo subir”.
Só
tive segundo de lhe devolver um sorriso off-white. O elevador surgiu e eu me
enfiei nele assustado. Muito assustado. Em coisa de minutos eu tinha ido de T-rex
com artrite – aquele professor pré-histórico que insiste que os alunos desliguem
os celulares e as “conversas paralelas” para se concentrarem em tempos e modos
verbais – a figurante do Xuxa só para baixinhos
– aquele guri da novíssima geração que não se cansa de cantarolar que cinco
patinhos foram passear.
É
interessante o quanto podemos parecer – para quem não nos conhece de perto,
para quem só nos vê de longe – (apenas) a múmia de gazes vencidas ou (somente)
o smartphone mais moderno de todos os tempos da última semana. Para a aluna, eu
cheirava a papiro; para a menininha, a fralda. Mal sabia a primeira,
adolescentemente preconceituosa, que o coroa também curtia Face, Twitter e
conversa fiada; a segunda, ainda na época das inocências, não tinha ideia do tio
ranzinza que o garotinho podia ser.
Certa
vez li numa dessas clarices da vida que, dependendo do papel que representamos –
professor, mãe, filho, irmã, amigo, esposa, patrão, funcionária, protagonista,
coadjuvante, torcedor, poeta, turista – e da plateia que nos assiste, podemos assumir
vários personagens no mesmo dia, às vezes na mesma hora, quiçá entre um olhar e
outro; podemos ter tantas e todas as idades com as quais até o camaleão mais Johnny
Depp jamais sonhou.
Podemos
ser o quarentão que vira moleque sempre que bate uma bolinha; o meninote que, mais
maduro que os pais, revela que os quer ver felizes, estejam casados ou não; o
casal em bodas de prata que volta à adolescência ao ouvir aquela canção do
Roupa Nova; os adolescentes que se tornam matusaléns em coma ao passarem as
férias inteeeeeiras no sofá, diante de um stupidphone; os vovôs e vovós que rejuvenescem
meio século a cada excursão com os amigos.
Tive esse impacto qdo uma mãe falou para a criança: "Olhai ali o moço vendo vc fazer malcriação!". Passei de "colega" para "moço". Ainda não cheguei no estágio "coroa", mas raspar os cabelos ajuda a esconder os brancos. Embora poucos, eles já existem.
ResponderExcluirE qr dizer q vc tb é de Língua Portuguesa, xará?!? Legal!