Com
todo o respeito, Chefia: bem que o Senhor podia aproveitar o domingo de Páscoa,
as famílias reunidas, o clima ensolarado de recomeço e mudança para apertar
aquele botão (o reset, fique bem claro) e reiniciar o sistema. Mais ou menos
como Vossa Excelência fez quando mandou o dilúvio.
Só
que desta vez, Patrão, sem o coxinha do Noé, sem aquela arca ecologicamente
incorreta e sem essa de salvar só os casais héteros de cada espécie. Não pega
bem. Não agrega valor ao Paraíso. Sugestão: deixe apenas três amebas, para ver
se de um ménage nasce coisa melhor que o Homo
bolsonaris gentilis – essa criatura que, dizem mas não acredito, foi feita
à Sua imagem e semelhança.
Não
me entenda mal, Eminência: se peço um replay em slow-motion da maior inundação
de todos os tempos – e uma garoa de asteroides junto, só para garantir –, é
porque andamos precisando muito de um reboot. Quem sabe com a página outra vez
em branco nós, e aí incluo Vossa Senhoria, não escrevamos certo finalmente.
Sem
tanta linha torta.
Um
mundo sem glúten, sem hora para acordar, sem segundas-feiras, sem celulares nos
cinemas, sem livros de autoajuda, sem frases bregas atribuídas a Clarice ou
Machado, sem acento grave ou vírgula onde não deve, sem fumantes e bebuns, sem
juros, sem tomates superfaturados, sem novelas ruins, sem filmes dublados, sem
crise de fígado e dor de cabeça, sem humoristas sem graça, sem reaças, sem
filas, sem hora extra e serão, sem guerras, sem canções cafonas para promover a
paz, sem bandeirinhas míopes, sem PM de TPM, sem manchetes sensacionalistas,
sem bundas de plástico, peitos de plástico, cérebros de plástico, corações de
plástico – sem plástico, enfim.
Ah,
e o mais importante: sem vergonha de dizer eu te amo durante o expediente.
Mas
com vergonha de levar gaita na cueca, com hora de ninar os filhos, com mais
sextas de Carnaval, com celulares que toquem valsa, com mais sonhos e pés de
valsa, com poesia nos muros (se eles insistirem em existir), com sujeito e
predicado vivendo em concordância, com fumantes viciados em cachimbos da paz,
com cerveja amanteigada nos botecos, com juras (de amor), com toda a horta em
promoção, com novelas que valem a pena ver de novo, com filmes franceses nas
periferias, com riso frouxo mesmo depois de um tropeção, com uma horinha a mais
de sono, com o Messi no meu time, com policiais sem pimenta, com jornais
bem-humorados.
E
não nos esqueçamos, Vossa Magnificência, que isto é fundamental: com violinos
ao fundo sempre que disserem eu te amo durante o expediente.
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