E
não é que tem uma coisa mais irritante que gente cutucando o celular no cinema?
Gente que não consegue usar o tico e o teco ao mesmo tempo. Uns projetos de
ameba zarolha que insistem em ver a vida como o eu liriquinho do poema da
Cecília: ou isto ou aquilo. Ou se tem chuva e não se tem sol, ou se tem sol e
não se tem chuva. Ninguém ensinou a essas criaturas que um dia com sol e chuva pode render um belo arco-íris?
Para
tais seres, aparentemente programados para funcionar em sistema binário, ou
você é de direita e em hipótese alguma pode ser visto com camisa vermelha ou
estrela no peito, ainda que torça pelo Inter ou o Botafogo; ou é de esquerda e
está terminantemente proibido de adotar ou mesmo levar para passear tucanos de
qualquer espécie, sob pena de ser denunciado por tráfico de animais
(capitalistas) selvagens.
Ou
você é americanizado, anda por aí com as orelhas do Pateta e, o-fi-cor-se, não entende nada de
geografia, a ponto de arrotar que a capital do Brasil é Buenos Aires e a da Argentina,
a Quinta Lua de Júpiter; ou é simpatizante dos russos e não só faz cara de Putin
para Big Macs e McFishes, como ainda tem certeza de que todos os sanduíches do
Tio Sam são recheados com fígado de minhoca pasteurizada.
Ou
você é nerd fanático por filmes de super-heróis versus alienígenas malvados e não sabe o Godard que está perdendo;
ou é ratazana de cinema iraniano e o único justiceiro mascarado de que ouviu
falar a vida inteira foi o Zorro, aquele sujeito de martelo em punho que nasceu
em Krypton, cresceu em Gotham e fica verde-esmeralda toda vez que a Mary Jane
está em perigo.
Ou
você é hétero, macho, machérrimo e jamais deve ser flagrado na Parada Gay – ou
em qualquer festa com mais de duas cores – soltando a franga, o frango, os
pintinhos e as plumas ao som do ABBA; ou é assumidaço e está vigorosamente (ui)
impedido de bater uma bolinha com a rapaziada no fim de semana, fazer o número-um
em pé e guardar a foto do papa na sua Chanel de R$19,99.
Resumo
da ópera: para os cérebros (sic) desprovidos do chip da complexidade, ou você é
capitalista e explora criancinhas, ou é comunista e come criancinhas.
Eles
não conseguem admitir a existência de um camarada vestindo camisa polo no meio
da manifestação a favor dos garis; de um entusiasta do sistema de saúde cubano
na fila de um espetáculo da Broadway; de um fã do Homem de Ferro comprando
ingressos antecipados para o próximo longa do Haneke; de um senhorzinho de
cabeça branca e cheio de netos arrasando na coreografia do “YMCA”.
Querem
porque querem que acreditemos que somos Beatles ou Rolling Stones, Nike ou
Havaianas, novela das nove ou Discovery Channel; que só podemos ser um ou outro,
que não podemos estar ao mesmo tempo em dois (ou mais) lugares. Isso quando não
ousam dizer – com aquela voz de Galvão Bueno e sabe-se lá com que intenções –
que somos um só. Especialmente nessas horas, vale a pena repetir e, se
necessário, fazer um desenhinho: não, não somos.
E
amamos muito tudo isso.
Pq sim? Pq não? Pode sempre haver um talvez.
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