Lá
pelas tantas de Ela, o filmaço de Spike Jonze que levou o Oscar de roteiro original, Theodore (Joaquin Phoenix) conta que às vezes tem a sensação de que já experimentou todos os sentimentos possíveis e nunca mais vai provar algo novo outra vez, a não ser versões “menores” – ou reedições mal-acabadas e desatualizadas, diria Brás Cubas – das emoções que ele sentiu um dia.
A
fala é bonita, poética – como cada fotograma do longa, aliás – e pode sugerir
que o passado de Theo foi abarrotado de altas aventuras, daquelas impossíveis
de ser superadas até pelo Seu Indiana. Ainda assim, ou por isso mesmo, achei-a extraordinariamente
triste, em especial considerando que saíra do coração de um sujeito que aparentemente
beirava os quarenta anos e, portanto, talvez não tivesse chegado nem à metade
da vida.
Confesso
que deixei o cinema aliviado – meus eletros ainda não deram sinais tão graves de
melancolia.
Não
sei se porque minha biografia foi até agora indigna de adaptação
cinematográfica ou mesmo de um Globo
repórter, e eu ache que o melhor está por vir; não sei se porque meus
neurônios, débis e loides demais, continuam acreditando em pasárgadas,
wonderlands e afins; não sei se porque meu sistema operacional, guardadas as (in)devidas
proporções, funciona meio que à Samantha, o aplicativo por quem Theo se
apaixona e cujo desejo de aprender – e amar – só aumenta com o tempo.
O fato é
que enxergo – ou quero enxergar, o que é a mesma coisa – uma rua cheia de surpresas
a cada esquina. Nem todas serão boas, mas aí a gente lembra o Roberto (“se
chorei ou se sorri”) e vida que segue. Sinal verde para ela; para os planos de
ainda saborear muitos e todos os anos, meses, dias, minutos, segundos que
couberem no meu disco rígido, mesmo sabendo que a pele e outros gadgets não estarão tão rígidos assim
quando eu apagar a centésima velinha.
Ainda
tenho que sobrevoar o Vale do Loire num balão; tirolesar sobre um lago em Gales;
parar o trânsito da Abbey Road; “esquiar” (pode caprichar nas aspas) em
Bariloche; caribear e mediterranear nem que seja na terceira classe; brincar de
esconde-esconde num castelo que me assombre em francês ou inglês; renovar meus
votos de fé nos extraterrestres em Machu Picchu; visitar a comunidade hobbit na
Nova Zelândia.
Isso sem
falar nas viagens metaeufóricas: degustar recheios novos de trufa a cada
sobremesa; ver todos os filmes quatro e cinco estrelas segundo o Pablo Villaça;
reunir familiares e amigos para um flash mob que recrie a cena de um musical
(sugestões?); rabiscar a crônica dez mil; dançar com a Fernanda até a última canção
nas nossas bodas de adamantium – cem ou duzentos anos de casamento?
O mundo é
quase tão grande quanto essa lista. E está repleto de versões maiores que ele
mesmo – reedições de luxo ou bolso; bilíngues, trilíngues ou polilíngues; com
ou sem ilustrações; pré e posfaciadas; revistas, ampliadas e atualizadas do
título ao ponto final. Não queremos que a melancolia vá além de um pezinho de
página? Então devemos manter o livro-mundo aberto, folhear seus capítulos, dar
um crtl-c-ctrl-v na lição de Samantha: deixar-se perder nos espaços entre as
palavras.
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