O
prédio aqui ao lado acabou de instalar grades na portaria. Segundo a vizinha
que mora no 64, é para proteger o condomínio de uma iminente invasão comunista.
Como se o Putin estivesse de olho na crimeia dela. Tsc. Agora entendo por que,
mesmo tendo dobrado o Cabo da Boa Esperança meia dúzia de vezes, ela continua
insistindo na minissaia, no laquê e nos cílios inferiores pintados com
delineador.
O
que não entendo de jeito nenhum – ainda que me paguem aula de reforço,
professor particular e bolsa-autoescola – é o sujeito que, na sanha de
economizar cinco patacas de estacionamento, planta seu zero-quilômetro em
frente à minha garagem às nove da manhã e só o retira às cinco da tarde. Já
avisei aqui em casa: está todo mundo expressamente proibido de sofrer um
piripaque do coração (ou entrar em trabalho de parto) em horário comercial.
Falando
em piripaque, por pouco não saboreei um no último fim de semana. Estava eu no metrô.
Todos os assentos ocupados. Os preferenciais, vejam só, por uma penca de mães mui
jovens e seus filhotes de seis ou sete anos. A trilha sonora que jorrava de
seus celulares: aquele funk pancadeiro, generosamente compartilhado com todo o
vagão. Até aí tudo bem (sic). E a viagem seguiria sem maiores emoções se...
...
se uma senhorinha não surgisse no picadeiro. Mas a plateia não se abalou.
Ninguém se coçou. Muito menos os palhaços. De pé a velhinha entrou, de pé a
velhinha ficou. Só que o tiro de misericórdia – ou seria de AR-15? – ainda
estava por vir. Um dos rebentos, o mais irrequieto, ameaçou deixar livre o latifúndio
tão duramente conquistado. Pra quê? Foi imediatamente repreendido pela mâmi: se
levantar daí, vai perder o lugar.
Sorte
da senhorinha que a trupe saltou na estação seguinte e ela pôde enfim descansar
sua bengala. Eu, o meu miocárdio.
Mas
há pessoas que nem o miocárdio podem descansar. O Renato Aragão, por exemplo.
Ou Didi Mocó Sonrisal Colesterol Novalgino Mufumbo, para os íntimos.
Recentemente, o eterno Trapalhão foi internado após sofrer um enfarte. A
notícia logo se espalhou, assim como a torcida dos fãs por sua recuperação.
Quem
viveu a infância nos anos 70 e 80 sabe a importância do sujeito para a tevê e o
cinema. E quem não viveu poderia saber; o Youtube está aí e não morde. Aos que
não querem saber e parecem ter ódio de quem sabe, deveria restar ao menos o
respeito pelo ser humano que passa por um grave problema de saúde.
Só
que respeito é javanês para certa classe de criaturas; classe, aliás, que
procria mais que a classecê.
Inacreditavelmente,
logo se espalharam na rede – principalmente nos espaços dedicados aos
comentários dos leitores nos grandes portais, espaços que costumam ser
verdadeiros esgotos – boatos de que o humorista maltrataria seus funcionários; acusações
de que teria ajudado a reforçar o preconceito contra pobres, pretos e gays; insinuações
de que – pasmem à vontade – teria sentido inveja de Chico Anysio a vida
inteira.