Levei
um bom tempo ignorando seu corpinho magro sobre a escrivaninha, meio que se
escondendo entre livros e lápis, ingenuamente refugiado sob as contas do mês (logo
elas), tentando se passar por mais uma daquelas canetas que insistem em se perder
do estojo. Ficamos quase uma semana nesse escreve-e-apaga: nos fingindo de
mortos.
Só
que ela estava morta de fato já havia alguns dias, desde que expirou sua última
ponta de grafite no meu caderno de anotações bobas.
Foi
tudo muito rápido. Estava eu no sofá, a tevê no mute, o note em descanso
de tela. Ruminava umas ideias de lá, mastigava umas palavras de cá, quando a
coitada engasgou feio e travou do bico à borrachinha. Ainda a sacudi, dei-lhe
uns tapinhas, fiz massagem, troquei o zero-sete, mas nada. Não deu mais sinal
de vida.
Senti
o baque. Tanto é que não tive coragem de enterrá-la na hora, e ela foi parar na
minha mesa, em meio a dezenas de alrafábios (é assim que eu chamo os meus alfarrábios). Ganhou a chance de se
despedir de seus fiéis companheiros de escritório e até de alguns desafetos,
como a Dona Borracha, de quem invariavelmente divergia.
Vou
sentir saudade daquela magrelinha azul. Fez tanta lista de supermercado
generosa, com direito a Häagen Dazs e Passatempo recheado. Calculou tanto orçamento
de viagem que acabou em retratos felizes. Grifou tanta besteira de rir sozinho
no metrô cheio. Deu (algum) sentido a tanto parágrafo-maçaroca. Anotou tanta
frase que virou crônica. Disputou tanto jogo da velha. Rascunhou tantos sonhos.
Me
ajudou a jamais esquecer o e-mail da minha primeira e única namorada.
Pena
eu não poder reunir mais todas as folhas pelas quais ela passou um dia, nas
quais rabiscou estórias, guardou segredos, deixou pegadas, sublinhou memórias, tracejou
mapas, circulou tesouros – estradas de celulose nas quais riscou versos, sílabas,
letras, dúvidas, exclamações, não sei quantas vírgulas de vida.
Poesia nas pequenas coisas da vida... ;)
ResponderExcluirhahaha, cara achei seu texto muito engraçado e genial ao mesmo tempo para contar a história de uma caneta.
ResponderExcluirBem crônicas do cotidiano ultimamente esse blog.....
ResponderExcluirum texto simples e com muitos sentimentos, ficou otimo
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