Sábado
à noite e eu trocando ideia com o controle remoto só podiam dar em filme
repetido, humorístico sem graça ou sono profundo. Não deram. Acabei tropeçando
nos dedos e caindo no Viva, em mais uma reprise do Globo de ouro. Mas não numa edição qualquer: a derradeira de 1988, com direito a Cláudia Abreu e César Filho estourando champanhe e desejando feliz ano novo.
De
bônus, Xuxa encerrando a parada musical ao som de ilari-ilariê-ô-ô-ô.
Foi
o gole de nostalgia que faltava para eu desligar a tevê, beijinhar a Fernanda
(já no sétimo sonho), fechar os olhos e, como num episódio de Além da imaginação, amanhecer com a voz
da mamãe me desninando baixinhamente: tá na hora, tá na hora... tá na hora de
acordar... pula, pula da caminha, que o café vai esfriar...
Levantei
as pestanas ainda no modo sonâmbulo, sem entender lhufas do que estava
acontecendo. O rádio-relógio piscava números vermelhos: cinco e quarenta e um.
No quarenta e dois, Freddy (o Krueger) surgiu na
porta do quarto e avisou que o ônibus não ia me esperar, que eu ia perder a
aula, que eu ia levar falta, que eu ia...
Antes que ele fizesse do meu sonho a hora do pesadelo, tratei
de largar o travesseiro e me teletransportar para o último banco do busão
espacial da Tia Esther e Seu João. De uniforme azul, kichute, lancheira do
Jaspion e meias; aquelas meias – que,
de tão infinitas, quase cobriam minhas pernas do Oiapoque ao Chuí.
Só não eram tão infinitas quanto o caderno de caligrafia, que
a cada lição deixava mais inchados meus as, bês, cês, dedos. Sorte que o
recreio chegou logo. O pobre do lápis já não aguentava mais peregrinar tanta
estrada pontilhada; bastou o sinal tocar – ándale,
ándale! – para ele se pique-esconder no estojo com a rapidez de um
Ligeirinho.
E eu reencontrar a passagem secreta para o pátio – bem maior
que o que tinha sobrado na memória. Comecei a correr. Corri como toda criança
um dia correu: parnasianamente. Mal tive antenas (de vinil?) para captar a
presença dos amigos saltitando as figurinhas do Careca e do Maradona, panfletando
lulalá e lalalalalabrizoooola, levando cupidamente meu Amar é... até a Garotinha Ruiva.
De repente me vi num furacão tão mas tão Oz que mal consegui
sentir o choc-choc-chocolate do lanchinho Mirabel.
Foi o sopro (tufão, vai...) de lembrança que faltava para eu
despencar buniiiito da cama. Fiz
plunct plact zum como se não houvesse chão e amanhã. Só restaram destroços – escombros de menino, ruínas de saudade. E, claro, as bochechas da Fernanda
assustadíssimas com aquele barulho todo: o que foi, o que foi?
ótimo post, muito bom esse texto
ResponderExcluirBom texto!!!
ResponderExcluirEis algo que me intrigou: o "correr" parnasiano de uma criança. Justo a criança que, via de regra, é toda desajustada! Risos...
ResponderExcluirTexto maravilhoso!
ResponderExcluiramei... pura nostalgia! até eu dei uma volta no tunel do tempo!
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