Já
faz um tempinho, mas ainda assim o caso merece registro. Além do mais, eu não podia
perder a oportunidade de usar esse trocadilho aí de título. Desperdício de ideia, mesmo
as infames, é contra minha religião.
Estava
eu na penúltima mordida de um sanduíche do Bob’s – um compensado de pão, dois
hambúrgueres e queijo, não necessariamente nessa ordem, nem necessariamente em ordem – quando uma senhorinha de
aparência centenária abocanhou o derradeiro pedaço de pizza. Dez minutos para o
show.
Pontualmente
britânico, embora holandês de nascimento, o maestro e violinista André Rieu
subiu ao palco às 19 horas, zero minuto, zero segundo, acompanhado de sua
orquestra, digamos, sui generis, vestida
como que para um baile no Harmonia Gardens, o babilônico restaurante de Hello, Dolly!
Pois
só às 19 horas, 11 minutos, 26 segundos a senhorinha alcançou seu assento, no
degrau mais alto do andar mais alto do teatro, a poucos metros de mim. Rieu já
estava na segunda ou terceira canção, na oitava ou nona piada, certamente na
vigésima careta, e sua fã número um da última fileira ainda recuperava o fôlego
da escalada.
Vieram
os primeiros acordes de “Nessun dorma” (a famosa ária de Puccini), e Dona
Felicidade – assim a batizei depois do espetáculo – pareceu se esquecer de
respirar. Só chorava e sorria. Talvez de saudades da Itália, de algum Romeu
deixado por lá ou da lembrança de uma novela antiga do Silvio de Abreu.
Ainda
em meio aos aplausos, o maestro contou a história de um doente que teria se
curado (ou aliviado suas dores, não lembro) graças à música. O sujeito levava
para o hospital seus CDs e DVDs favoritos – de algum ilustre violinista? será?
– e os escutava entre uma sessão e outra de quimioterapia.
Não
sei se o relato é verdadeiro, nem se minha imaginação está inventando o que a
memória apagou, mas o teor da conversa era esse. O fato é que não houve como
não acreditar no poder medicinal de uma boa valsa quando a orquestra abriu as
comportas e deixou o “Danúbio azul” passar. Efeito cocoon: todas as senhorinhas
levantaram pra dançar; as viúvas cataram os funcionários do teatro ou o bípede mais
próximo, o que estivesse à mão. Só não sobrou pra mim porque me refugiei entre
Fernanda e mamãe.
Duas
horas e tanto de show, Dona Felicidade continuava fazendo jus ao nome. Não
sentou um segundo sequer (nem largou o “pão” que havia tirado pra Gene Kelly). Seu
corpo frágil – notinha grave, grave dedilhada num piano desafinado – era o
próprio bolero de Ravel: flauta e fumacinha à primeira vista, fanfarra e fogaréu
no ato final.
A propósito, para o final – um
pot-pourri com “Aquarela do Brasil”, “Tico-tico no fubá” e o clássico teloniano
“Ai, se eu te pego” – ficou guardado o melhor: foi eu piscar os olhos e aquela
senhorinha de aparência centenária surgiu na beira do palco, lá no
gargarejo, jogando beijinhos para o ídolo enquanto acotovelava seguranças e
possíveis rivais. Apoteótica.
Para tudo: como é que a danada chegou ali? por onde desceu que eu não vi? Não sei. Não tenho a menor ideia. Juro. Mas isso, cá entre nós, é o que menos importa. Aliás, importa nada. Acabei o concerto querendo saber como eu ia chegar aonde ela chegou.
Para tudo: como é que a danada chegou ali? por onde desceu que eu não vi? Não sei. Não tenho a menor ideia. Juro. Mas isso, cá entre nós, é o que menos importa. Aliás, importa nada. Acabei o concerto querendo saber como eu ia chegar aonde ela chegou.
E não estou falando em ficar tête-à-tête com o violino do André Rieu.
Simplesmente não tenha medo de se entregar a felicidade... ;)
ResponderExcluirPelo jeito a experiência foi ótima!
ResponderExcluirPoxa, que fantástico!
ResponderExcluirSe pela televisão já foi ótimo, imagino ao vivo!
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