domingo, 31 de março de 2013

Vida de patroete

Faz uns dias recebi um e-mail de uma velha amiga (dos tempos da escola) e, desde então, mal consigo dormir. Não sei o que dizer a ela. Resolvi, por isso, compartilhar sua mensagem com meus onze leitores. Talvez vocês possam me ajudar a pensar numa resposta delicada, numa palavra de conforto. Maria Joaquina está precisando.

“Fábio querido, como vai? Ainda dando aula? Fazendo revisão? Quando é que vou ver suas croniquetas no Globo?

Aqui na Barra os dias têm sido dificílimos. Soltaram as empreguetes no condomínio. Já tem Maria achando que é Taís Araújo. Exigindo hora extra, hora do almoço, hora do descanso – até férias e FGTS. E elas nem sabem o significado da sigla, pode? Daqui a pouco vão querer participação nos lucros também. Já avisei: meu iogurte importado, não divido nem por decreto do Joaquim Barbosa.

Haja ingratidão.

A Marinete, por exemplo: sempre comeu da minha comida – até patê de fígado de ganso já provou. Tem um quartinho só dela atrás do canil, a mangueira do quintal pra tomar banho, a tevê preto e branco que foi da minha bisa. Sem contar os presentinhos: as roupinhas surradas da Paty, as gravatas que o Beto não usa mais, chaveirinho de Nova York, guardanapos dos melhores restaurantes de Paris. Até orelhinhas da Minnie – da minha última viagem a Orlando – eu dei pra ela!

Nete é praticamente da família. Quase como a Lassie e o Scooby.

Só que, com essa lei, não sei se vai continuar conosco. Ficou pesado demais. Pra mim e todo mundo, né? Conheço várias amigas que estão dispensando as secretárias. O resultado disso, a gente sabe: desemprego. Mas tem problema não. Já, já o governo se dá conta do que fez, inventa uma bolsa-espanador pra amparar as coitadas e tudo se resolve. Menos a louça na minha pia, claro.

Hello! Parem a limusine que eu quero descer!

Sabe de uma coisa? Estou pensando seriamente em me candidatar ao próximo Mulheres ricas, da Band, pra completar a renda e (tentar) manter a Marinete – que eu não posso viver sem essa mulher. Ela é o chãozinho limpo que eu piso todo dia. Torça por mim, Fábio! Ah, beijocas na Fê! Da sua amiga de-ses-pe-ra-da, MJ.”

E aí, alguma sugestão?

(Um velho amigo, também dos tempos de escola, recomendou que eu enviasse à nossa estimada ex-colega de classe uma vassoura acompanhada de um manual de instruções. Sei não. Periga ela não entender o recado e repassar o mimo pra Marinete. Ou entender e – o que é pior – eu perder uma leitora fiel. Melhor não arriscar.)

domingo, 24 de março de 2013

Oh, happy days

Aleluia. A Semana Santa é logo ali. Como de hábito e batina, estou prontinho pro jejum: de hora pra acordar, de hora pra bater o ponto, de (uma) hora pro almoço, de horas no trânsito pra chegar em casa, de hora pra dormir. A noite é uma criança sem tique-taques catequistas; o dia e a tarde, também. Um trio de ateuzinhos descalços correndo pela sacristia.

Pena que nem tudo é perfeito. Longe disso. A Semana Santa não faz jus ao nome, nem ao sobrenome. Pensemos bem: como é que algo que começa na quinta para alguns (na sexta para o resto) e termina no domingo para todos pode ser chamado de Semana? É no máximo um Feriadão – cá entre nós, Beato.

Que no meu Vaticano só ganharia canonização se iniciasse na segunda. Aí sim poderíamos encher a boca e o calendário: Semana Santa.

Falando em encher o calendário, acaba de me ocorrer o quão negligente – injusto até – ele tem sido com a pluralidade religiosa da nossa outrora Terra de Santa Cruz. A ilustríssima folhinha, senhora de todas as datas, só nos dá refresco nos dias cristãos: Páscoa, Corpus Christi, Nossa Senhora Aparecida, Finados, Natal.

E os judeus? Os muçulmanos? Os umbandistas? Os espíritas? Os budistas? Os wiccas? Os druidas? Os trekkers? Os jedis? Os corintianos? Como é que ficam?

País que se prezasse – e que não desejasse arder no mármore do inferno por toda a eternidade – não deveria adotar uma só religião; muito menos (pecado dos pecados) batizá-la de oficial. Deveria, sim, acender vela para todos os credos, comungar com suas respectivas festas e aderir a seus feriados. Sem preconceito. Sem receio de que o Coisa Ruim abrisse novas filiais de sua oficina. Atitude mais democrática e digna do Paraíso não haveria.

Ou não seria bom demais emendar o dia da padroeira com o Pessach e o fim do Ramadan? Juntar as oferendas a Iemanjá aos doces e travessuras do Halloween? Enforcar aquela sexta entre o Mês do Orgulho Jedi e a Quinzena de Adoração ao Doutor Sócrates?

Sonhar e rezar não custam nada – nem o dízimo nosso de cada missa. Mas por ora, enquanto o Feriado Final não nos arrebata pro outro mundo, a gente levanta as mãos pro céu pra agradecer as míseras folguinhas que tem.

As mãos pro céu e as pernas pro ar.

domingo, 17 de março de 2013

Simpatizantes

Quanta gente emocionada com a escolha do novo papa. Chorando. Rezando. Olhando pro céu. Comprando santinho. Esperando milagre. Até fazendo promessa de ir à igreja – nem que seja uma vez por ano. Talvez duas: Páscoa e Natal. Conta o casamento da sobrinha do cunhado do primo da vizinha?

O número de católicos quadruplicou nos últimos dias. Graças a Deus? Não, ao conclave: o hype da semana.

Uma coisa que não chega a ser hype – mas, convenhamos, pega bem à beça – é se anunciar cinéfilo. Muito cool. Só que o sujeito faz cara de Alien versus Predador pra filme de monstro; faz o diabético pra engolir uma comediazinha romântica; faz o judeu sem pátria toda vez que tem de atravessar (e não atravessa) a cidade pra encontrar uma salinha que esteja passando o último do Woody Allen.

Pior: faz-se de surdo – e, principalmente, de analfabeto – e encara na boa o maior dos pecados, o filme dublado. Até prefere. Legendas só atrapalham a fruição.

Oh. My. God. Father.

Tem também o torcedor rubro-negro. O Mengão desde criancinha que não sabe escalar o time, não sabe quando o time joga, não sabe de quanto o time perdeu, não sabe quem o time contratou para o ataque. Talvez nem saiba o nome completo do Zico – o que é heresia comparável a colocar São Judas Tadeu de cabeça pra baixo porque não deu conta da causa impossível.

O mundo anda cheio desses católicos não praticantes, desses cinéfilos de Sessão da tarde, desses torcedores de Copa do Mundo. Desses fiéis que enchem a boca pra dizer sou isso, sou aquilo, sou aquilo outro, mas que não têm fôlego para a missa todo domingo, para o clássico em preto e branco na última sessão, para o jogo num sábado à noite contra o Pindamonhangabense – pelo Brasileirão da Série D.

Dessa multidão que não se entrega – de coração, cabeça, estômago – a nada. Que não se integra a coisíssima alguma e, por isso, acaba comprometendo a própria integridade. Que vive apenas na superfície de um protocolar sinal da cruz toda vez que se vê diante de um templo; de um celular ligado nas redes sociais mesmo quando a sala já escureceu; de uma bandeira que só aparece na janela quando o time ganha.

Crente, crente de que simpatia é amor. Quase.

domingo, 10 de março de 2013

Pé na estrada

Larguei minhas coisas assim que cheguei e caí no Sena. De barco, óbvio. A Sacré Coeur, o Quartier Latin, a Torre Eiffel – Paris comme il fautPasseio quase perfeito se eu não tivesse descido no ponto errado e parado pra lá de Marrakesh, no meio do souk, o mercado a céu aberto dentro da medina.

Só estou dando uma olhadinha? Que nada. Os vendedores partiram pra cima de mim feito gaviões. Corri. Corri muito. Corri até me sentir seguro como na Suíça. Peraí. Eu estava na Suíça. No jardim secreto de Montreux, em pleno festival de música, a Andrea do The Corrs cantando “Breathless”.

O ar se rarefez. Desmaiei, claro. E só abri os olhos de novo – pasmem à vontade – em Machu Picchu. Detalhe: com um xamã me servindo ceviche. Madrecita, que sabor. Ficaria horas ali, diante da Porta do Sol, degustando a iguaria se não fosse o fôlego me faltar mais uma vez. Desmaio dois, a missão.

Acordei no sofá de casa. Coluna torta, cabelo amontoado. Completamente Dorothy depois do furacão. O livro da Martha – Um lugar na janela – escorregando pelo corpitcho magrinho deste que vos escreve meio sonado, meio sonhado. Não necessariamente fifty-fifty.

Mas certamente cento e um por cento a postos para o próximo atenção-senhores-passageiros, o próximo apertem-os-cintos, o próximo encontro com aquele moço no espelho. Que viajar não é fuga, bem diz a autora. É entrar no Magic Kingdom e despertar o Peter Pan; é piquenicar na Place des Vosges e rejuvenescer o Alain Delon; é sair pra um retiro espiritual em Noronha e ressuscitar o Jacques Cousteau.

(De preferência, nadando com tartarugas gigantes.)

Enfim: viajar é fazer um check-in de si mesmo. É guardar o zumbi no armário, vestir o Indiana Jones e caçar as tantas arcas perdidas por esse mundo cheio de graais. É tirar o pé da cova do dia a dia – do rame-rame de quem espera horas o técnico da geladeira enquanto vê todos os RJ-TVs – e pôr os dois pés na estrada.

A cabeça pra fora da janela.

No meu caso, reencontrar aquele sujeito de malas sempre prontas e com excesso não de bagagem, mas de sonhos – e ainda muitas páginas vazias no passaporte.

domingo, 3 de março de 2013

La pitomba miraculosa

Anda correndo um boato na internet de que a limonada suíça cura o câncer. Alto lá. Não é bem assim. Segundo estudos recentes desenvolvidos por cientistas argentinos da Universidade de San Ernesto, um dos componentes do limão-dos-alpes – a geraniolina – apenas inibe a produção de células cancerosas. Repetindo: i-ni-be.

É bom deixar isso claro, pois já há companheiros e companheiras espalhando pelas redes sociais que a notícia da fruta milagrosa ainda não foi divulgada na Grande Mídia porque a TV Globinho não quer; porque a família Bob Marinho Esponja tem conchavo com a indústria farmacêutica; porque – pasmem – o Luciano Hulk prefere acerolas geneticamente modificadas à base de raios gama.

Houve até gente apostando que Yoani Sanchez – a blogueira que não apara as madeixas desde a Revolução Cubana – faz parte dessa conspiração global. A jornalista fingiria desconhecer os benefícios do limão-dos-alpes só para não aumentar o ibope da família Castro. Dizem as más línguas que a fruta é cultivada e usada como remédio na ilha de Fidel, com bastante sucesso, há décadas.

Tudo balela – retrucam as piores línguas, as que vêm com o rostinho bonito do Mick Jagger junto.

De acordo com o último relatório das FARC (as Fiéis Adoradoras da Realeza Castro), toda essa história de limonada suíça – que começou lá com os cientistas argentinos e acabou na cabeleira da Yoani – não passaria de uma cortina de fumaça expelida pelo flatulento Tio Sam para impedir que o mundo descobrisse a verdadeira ambrosia cubana: a pitomba, essa sim capaz de curar não só o câncer, como qualquer tipo de gripe, seja ela suína, bovina ou divina.

Capaz também – essa é quase tão difícil de engolir quanto a própria pitomba – de livrar o planeta do mais ianque dos vícios: a dependência química do molho especial contido nos dois hambúrgueres, alface, queijo, cebola e picles, num pão com gergelim. Daí o pavor dos americanos, que já preveem a ruína do Império se não puderem vender seu McFish, digo, seu peixe.

Sinceramente? Não sei mais em quem acreditar: nos cientistas? na Globinho? no Hulk? na Yoani? nas más línguas? nas piores? nas FARC?

É tanto meteoro atravessando o céu que não ponho o dedo mindinho no fogo nem por esta crônica.

Pelo sim, pelo não, já botei o limão-dos-alpes e a pitomba cubana na lista da feira. Vai que pelo menos ajudem a combater os radicais livres.