domingo, 26 de agosto de 2012

Divã

Esta é para as amigas: o que você faria se o seu parceiro preferisse o quarto de hóspedes ao do casal; se todos os dias, ao acordar, desse mais atenção a dois ovos fritos, um pedaço de bacon e o jornal do que à sua pessoa; se, sob o pretexto de comemorar 31 anos de casamento, tivesse a ideia genial de te presentear com um novíssimo pacote de tevê a cabo?

Detalhe sórdido: a nova assinatura vem recheada de programação dedicada ao esporte favorito dele, o golfe (sic). Aquele mesmo. O da bolinha no buraco.

Pois é nessa aparente sinuca – para não deixarmos o campo dos esportes excitantes – que está Kay, personagem de Meryl Streep em Hope Springs, batizado aqui de Um divã para dois. À beira de degolar a grito os totós da vizinha bonitona, ela arrasta o maridão Arnold (Tommy Lee Jones) até o consultório do ilustre terapeuta Bernie Feld (Steve Carell), situado na cidadezinha que dá título ao filme, numa derradeira tentativa de salvar a relação.

Relação à parte, salvo mesmo é o espectador – daquilo que poderia ser mais uma comediazinha romântica digna do diminutivo, mas felizmente não é.

Graças aos olhos nada oblíquos de Streep, janelas retamente dispostas a revelar sua alma já nos segundos iniciais de projeção, quando Kay se encontra diante do espelho; graças aos trejeitos cadenciados de Jones, que jamais resvalam na caricatura do velho rabugento, somente realçam sua fragilidade e insegurança, como nas sequências em que se vê intimado a trocar carinhos com a esposa; graças à atuação contida de Carell, que não recorre a caras e bocas, conferindo assim credibilidade ao seu conceituado psicólogo.

Graças, enfim, à direção de David Frankel (o mesmo do ótimo O diabo veste Prada), que, de modo geral, mantém-se bem discreta e permite que o elenco brilhe ainda mais, especialmente no sofá-divã do Dr. Feld, onde os protagonistas ensaiam reaproximações e afastamentos ao sabor do sucesso (ou não) da terapia. A exceção talvez aconteça em um ou dois instantes nos quais a trilha sonora – cheia de antigas canções pop, como a clássica “Why”, de Annie Lennox – surge desnecessária, apenas sublinhando o que já vemos e sentimos.

A resolução, por sua vez, deve soar algo súbita, ligeiramente apressada, para quem espera um desfecho menos explícito, menos e-seus-problemas-acabaram!. Arestazinha boba que em nada compromete o longa, cujos créditos finais regados a pés na areia, marzão e pôr do sol devolvem os cinéfilos ao mundo real felizes da vida.

Crentes, crentes de que até aquele novíssimo pacote de tevê a cabo é capaz de salvar a relação. Basta escolher o canal certo.

domingo, 19 de agosto de 2012

Sucupirando

Brasileiros e brasileiras  o jingle está no ar. Santinhos caem do céu, inundam as ruas, entopem os bueiros, transbordam a tevê, o rádio, a rede social, enchem a sacola de promessas olímpicas e recicláveis. Enquanto a garizada samba as bachianas e valsa o pancadão feito Zé Carioca. Pra inglês ver. Pra mané dançar até o chão. Prafrentemente.

Nomeiodocaminhomente um bêerretê (busão rápido no trânsito). Ou um eleitor que não achou a passarela da esperança. Que não achou uma ambulância do Samuca. Que não achou um leito pro seu mal. Que não achou rima nem rumo decente pra caravela do Cabral. Que não achou um dotô em greve da greve na sua hora mais exorbitante. Que ainda achou que ia escapar.

Escapa não. Nem do mensalão. Calunismos. Coisa de quem não tem o que fazer. De quem não tem o que votar. De quem não vota o próprio reajuste de quarenta e cinco mil e treze por cento. De quem não compra o próprio paletó. De quem não viaja no próprio eikemóvel. De quem não aparece no próprio gabinete. De quem não aposenta o próprio conchavismo senvergonhista.

Impróprio é lembrar que a capital de duas mil e dezesseis problemáticas tem a sua solucionática cidade da música  das artes e artimanhas também. Onde vive fazendo pegadinha e o escambau o fantasma da ópera do malandro. Detalhe em superslow: a pegadinha acontece apenasmente (e só apenasmente) nos intervalos do escambau.

Quando todo mundo vê e crê. Credo. Quando bem-amados e bem-amadas estão dando aquela espiadinha básica no tchê tchererê tchê tchê da Gabriela. Quando malcomidos e malcomidas estão dando o bolsa-esmola por um tchu, um tchá. Por um tchu tchá tchá tchu tchu tchá. Por um lelelê que seja antes da defuntice compulsória.

Antes de cumprir o pátrio dever de se mudar para o cemitério jamais inaugurado.

domingo, 12 de agosto de 2012

Gigante

pulei da cama como se me jogasse da janela do quinto andar. esqueci os óculos na gaveta. mal vi a mesa do café. mal senti o cheiro do café. corri até a garagem, e Pai já estava lá, balde na mão, lavando o fusca. me passou um pano velho. pediu que eu o ensaboasse com cuidado, sem pressa, para deixá-lo o mais limpo do mundo.

à tarde tinha jogo em são januário. o primeiro da minha vida no estádio. o centésimo e tanto da dele. nossa estreia juntos.

chegamos cedo, cedo. gostava de madrugar. quem aproveita o dia aproveita a vida, dizia sob o bigode grisalho. no breve caminho até a entrada do caldeirão, me protegeu dos vendedores de churrasquinho, dos bebedores de cerveja, dos torcedores mais exaltados. ainda comprou um picolé que era gelo puro, corante vermelho e alegria.

pouca gente nas arquibancadas, pouca gente nas cadeiras. multidão pra mim. nunca tinha visto um teatro tão cheio, um cinema tão grande.

cheias, grandes também ficavam as nuvens. enquanto as sobrancelhas dele, cheias, grandes, se mexiam preocupadas. decidiu então pular o alambrado, procurar um lugar coberto nas sociais. me assustei com a ideia. quebrar as regras não era coisa que se ensinasse. mas o que parecia errado virou certo quando ele estendeu a mão e me ajudou a escalar a grade.

do outro lado, o gosto da vitória.

que veio também com a bola rolando e o gol solitário do pernambucano – que comemoramos com um abraço infinito de dois, três segundos.

apito final. volta para casa. o fusca no meio da torcida bem feliz. estendi a bandeira na janela, e o resto era com o vento. como se não houvesse amanhã nem depois, o rádio repetia e repetia e repetia os melhores momentos. só os que aconteceram dentro das quatro linhas, sob os olhos das câmeras e os ouvidos dos microfones.

os outros, tira-teima algum foi (nem era) capaz de flagrar.

domingo, 5 de agosto de 2012

Espírito olímpico

Ele vem me assombrar de quatro em quatro anos e tem o hábito de me derrubar da cama com a delicadeza de um ippon. Mal o sol  dourado feito medalha  cruza a linha de chegada, digo, do horizonte, e lá estou eu diante da tevê fazendo o sofá de arquibancada. Ou de sofá mesmo, se a peteca da vez for uma partidaça de badminton entre Tailândia e Indonésia.

Basta eu piscar os olhos, ameaçar um cochilo que seja e ele me faz trocar de canal: hora de ver os tenistas dando slices, smashs, drop shots, forehands e um match point no meu inglesinho de raquete curta. Welcome to Mike Tyson Island.

No, thanks. Prefiro a Megan Fox Arena. Onde assisto ao ginasta brazuca cair de bunda no solo ao som do "Brasileirinho". Jamais um choro foi tão bem escolhido.

Dou um duplo twist carpado até a cozinha para beber um refresco, e o encosto me acompanha. Não me deixa sozinho um centésimo de segundo. Marcação individual. Me lembra de que já vai começar o basquete masculino. Estados Unidos contra o... a... Sei lá. Não interessa. É jogo de um time só. Ou de dois, titulares versus reservas. Quem faz mais pontos?

Comigo fazem mais pontos as meninas espanholas do vôlei de praia. Que saque. Que recepção. Que manchete. E o que dizer da cortada? Ops, bloqueio. O espírito olímpico é de família.

E me aconselha a cair na piscina para esfriar a pira. Nada como o nado livre e o de costas para relaxar os músculos fatigados de outro dia inteirinho de muita torcida e ola. Ai, que preguiça. A lua  prateada feito medalha – sobe no lugar mais alto do pódio e o fantasma enfim me concede um tempo técnico. Algumas horinhas para recuperar o fôlego.

Que amanhã a maratona continua.