domingo, 29 de julho de 2012

Espelho, espelho

Domingo desses topei com o Pedro Bial falando dos trocentos textos que circulam na rede com sua assinatura e não são seus. Segundo o jornalista, as pessoas andam tão preocupadas em ser lidas que se "esquecem" da vaidade e relegam a assinatura, a autoralidade a segundo plano. "Cá entre nós, é a vaidade que nos move", lembrou o apresentador.

Verdade, Bial. Que graça tem escrever a frase só lâmina à João Cabral, o final surpreendente à Agatha Christie, o diálogo antológico à Woody Allen, a crônica redondinha à Martha Medeiros, se não há quem chegue ao ponto final e descubra nosso nome ali, (quase) discreto, à espera de um elogio, de um comentário, de um xingamento cabeludo que seja?

Até careca  valendo.

Ah, um texto à Fábio Flora. Do Fábio Flora. Com a cara Dele. Muitíssimo bem escrito. Correto em cada vírgula e travessão. Megapretensioso, como sempre. E superficial. Agradável. Afetado. Rebuscado. Desmiolado. Desengonçado. Divertido. Hilário. Chato pra burro e pra leitor que se preze. Sonolento. Completamente descartável.

Uma merda.

Quem me dera ouvir um adjetivo desses – quiçá o substantivo – da boca de um Luis Fernando Verissimo, de um Artur Xexéo, de um Pablo Villaça, de um Juca Kfouri, de um Arnaldo Jabor, até de um Diogo Mainardi. (Que o Lulalá não nos leia: não seria nada ruim ser a anta predileta do Diogo Mainardi por dois mandatos ou meia dúzia de crônicas.)

Por ora, enquanto esse dia não dá nem o arzito rarefeito da graça, me contento com os confetes de mamãe. Ainda que não sejam tão doces quanto as palavras de um espelho mágico.

domingo, 22 de julho de 2012

Velocidade máxima

Que a vida anda correndo mais que o Usain Bolt, é fato. Fato velho, caduco, como toda boa ou má notícia que se preze e se descarta.

Bastou o primeiro Homem-Aranha do Sam Raimi completar dez míseros anos para Hollywood resolver dar um reboot na série, começar tudo de novo, do zero, agora sob a claquete de Marc Webb. E lá vai o Peter Parker ser picado pelo bichinho de oito patas, aprender a saltar arranha-céus, sofrer a morte do Tio Ben. Outra vez, outra vez e... outra vez.

Não demora uma trilogia e estaremos assistindo ao remake do reboot.

Mas não são só os filmes que têm se exibido apressadinhos e chegado às salas escuras antes de o diretor gritar "ação!". Os passos (e passes) não vão menos velozes no futebol. Numa noite, o jovem Romarinho – que estreava na Taça Libertadores pelo Corinthians – calava a Bombonera e o Boca Juniors com seu gol no finzinho do jogo. No dia seguinte, poucas horas depois, já era escalado pelos jornalistas mais impacientes no ataque da Seleção.

Neymar que nada. (Que está mais para garoto-antipropaganda do salão da Monalisa.)

Qualquer dia vamos ler num site de fofocas que Fulano Meira e Beltrana Menezes iniciaram um affair às duas e quarenta e sete, "ficaram grávidos" às três em ponto e tiveram um lindo casal de gêmeos às quatro e cinco. Aliás, não é que as gracinhas já estão brilhando na terceira versão de Cordel encantado, novela que foi sucesso das seis não faz nem uma década?

Eu mesmo sou bom exemplo destes tempos mais acelerados que Speed Racer em volta final: há coisa de uma hora, quando me veio a ideia para esta croniqueta boba – tão passageira quanto fama de BBB eliminado no primeiro paredão –, contava meia dúzia de cabelos brancos, além de um parzito de rugas. A menos.

domingo, 15 de julho de 2012

Trio elétrico

Salvo por um pano aqui, um aspirador acolá, não levo vida de empreguete – mas pego às sete a novela de Filipe Miguez e Izabel de Oliveira, a toda boa Cheias de charme. Comediazinha bem despretensiosa que faz a gente voltar do serviço querendo se esparramar no sofá e acompanhar a véspera de madame de três Marias brasileiras.
 
Elas que são o piso brilhando de uma casa em que nada está fora do lugar. Heroínas que fazem a hora – até uma horinha extra, se for preciso –, Penha, Rosário e Cida não esperam acontecer o poeirento milagre do último capítulo, o ainda embaçado porque tão, tão distante felizes-para-sempre. Vão à luta pela sobrevivência, pela fama, pelo amor.

A Penha de Taís Araújo é a Maria na pia, a Maria na feira, a Maria na van lotada, a preta cheia de garra, a favelada do Borralho, da Rocinha, do Vidigal, da Mangueira, do Alemão que cria os irmãos e o filho sozinha, no braço, na nhanha, sem tchê tchererê tchê tchê, sem ajuda de marido, mãe, pai, tia, vó, vizinho, cachorro, papagaio, periquito.

A Rosário de Leandra Leal é a Maria cantando, a Maria dançando, a Maria no palco, a menina cheia de talento, a moça bonita que rabisca mil e um chalalalás no caderno colorido, toca violão no barzinho da esquina depois do expediente, bola coreografias mirabolantes, faz do seu quarto um camarim de sonhos a serem realizados.

A Cida de Isabelle Drummond é a Maria "Cinderela, Cinderela, noite e dia, Cinderela", cheia de graça e doçura, prestes a deixar as garras da madrasta patroete e de suas filhas – a nojenta e a entojada –, tomar as rédeas de sua carruagem com lataria de limusine cor-de-rosa e rumar até o castelo de seu príncipe de carne e osso.

Se não bastasse o trio ternura, a saga das curicas ainda tem a Chayene de Cláudia Abreu como a antagonista pavoa, mistura arretada de Viúva Porcina, Joelma (da banda Calypso) e vilã de desenho animado. (E mais não me arrisco a falar da diva, sob o risco iminente de a Brabuleta de Sobradinho achar que a estou comparando com aquelas chumbreguetes desenxabidas.)

Como ouvi manhã dessas no programa de rádio do Gentil Soares, que escuto enquanto lavo a louça do café, novela assim – de a gente rir de se acabar – não acontece todo dia.

domingo, 8 de julho de 2012

Vamos brincar de índio

Convidado a participar de um evento no Rio de Janeiro, um coral de índios guaranis – formado apenas por jovens e crianças – hospedou-se num hotel no centro da capital, onde ficou por três dias. E acabou chamando a atenção dos funcionários do lugar não só pelo talento musical, mas especialmente pelo comportamento e a cordialidade. A gerente, uma senhora de quase sessenta anos, chegou a lhes pedir desculpas, ao final da estadia, por ter imaginado que eram “selvagens”. Estava, ao contrário, encantada com a harmonia e a alegria do grupo.

Quem me contou o episódio foi uma amiga que trabalhava nesse hotel. Estudante de pedagogia prestes a terminar sua monografia, ela se perguntava como era possível haver meninos e meninas tão bem educados que nunca passaram por uma escola; que jamais sentaram numa daquelas carteiras enfileiradas; que em tempo algum fizeram prova de geografia e matemática.

A resposta é simples: nas últimas décadas, superestimamos um bocado o papel da escola. Jogamos na sala de aula e no professor a responsabilidade que cabe, em maior parte, às famílias. Erramos feio ao separar prematuramente as crianças de seus pais e avós para confiná-las em prédios de onde em tese deveriam sair “educadas”.

Andei pesquisando e descobri que a transmissão de conhecimentos numa aldeia guarani é baseada em valores como o da ação – em que os adultos envolvem crianças e adolescentes em suas atividades, tornando o aprender fazendo o alicerce de sua filosofia – e o do exemplo – dado, sobretudo, pelos velhos, cujas atitudes têm de refletir o ensinamento dos antepassados e o conteúdo das tradições.

Quem sabe esses valores estejam em desuso em nossa tribo. Quem sabe os pais, cada vez mais ocupados em dar o melhor tênis, o melhor celular, o melhor tablet para os filhos, estejam se esquecendo de lhes oferecer  o essencial, aquilo de que mais necessitam principalmente nos primeiros anos de vida: carinho, atenção, cuidado, presença.

Em suma, o respeito a que eles têm direito e de fato merecem – que servirá de ponte segura entre a casa e o mundo, entre a oca e a aldeia.

domingo, 1 de julho de 2012

Metamorfose ambulante

Aconteceu numa dessas adoráveis dinâmicas de grupo. Desses agradáveis processos de seleção de emprego. Recebi a missão – impossível – de escrever sobre mim em dez minutos. Por pouco não ouvi a célebre musiquinha do filme. Por pouco não me vi pendurado naqueles cabinhos de aço feito o Ethan Hunt. A um espirro de disparar involuntariamente o alarme. Só que eu não sou agente secreto. Nem levo o menor jeito pra Tom Cruise.

Mas missão dada é missão cumprida.

Então resolvi, sabe-se lá o motivo, não rabiscar uma linha que fosse a respeito da minha pessoa. Achei melhor revelar quem eu não era.

Comecei com um taxativo eu-não-sou-cachorro-não. Para entenderem de uma vez que eu não merecia ser desprezado nem humilhado. Depois lembrei que também não era a mosca que tinha pousado na sopa do gerente e zunzunzumbizado seu sono à noite. Portanto, não precisavam me dedetizar ou atirar o chinelo na minha direção.

Insisti na listinha de não-sous. Não sou o bom. O dono da festa e do carro vermelho. O número um dos dez mais. O mocinho que não usa espelho pra se pentear. A luz das estrelas. A cor do luar. As coisas da vida. A coisa da vida. O medo do fraco. A força da imaginação. O blefe do escritor. O maluco-beleza. O início, o fim e o meio.

Tempo quase esgotado, terminei meu breve currículo de desfaçanhas com um lapidar não-sou-amigo-do-rei. Não sou amigo do rei. E ponto final.

Entreguei o papel à moreninha de tailleur e deixei a sala igualmente aliviado e cabisbaixo, com a impressão de que não seria escolhido para o cargo.

De que deveria sair dali e comprar logo minha passagem pra Pasárgada.