Minha tia Dercy saiu da gaiola cedo. Sujou a boca de batom
bem antes de o Bicho Comeu pôr as ombreiras de fora, cantou mais alto que o
coral das meninas de Petrópolis e chamou mais atenção que as Irmãs Cajazeiras,
o padre Marcelo e Maria Madalena juntos. A quem atirasse a primeira pedra,
ela retribuía com meia dúzia de sinais gráficos: #$%@&!
Ainda na adolescência, titia quebrou uma garrafa de cachaça
na cabeça de seu pai, um bebum de língua presa que sonhava ser presidente do
Brasil. A porrada foi tão forte que o velho não teve chance de fazer o
quatro − no dois, ele morreu. E ela, assassina por acidente, teve de
fugir do Arkansas. Tomou o primeiro furacão e aparatou na cidade grande.
Perseguida pelo FBI, pela Liga das Senhoras Católicas e por
Willy Coyote, tia Dercy fez uma plástica que a deixou irreconhecível, com a
cara daquela atriz, a Tati Périssé. Não satisfeita com a mudança da fuça, mudou
o nome também. Passou a se chamar Heloísa Siqueira; Lolô para os íntimos (ou
seja, toda a humanidade).
Com apelido tão fofo, não foi difícil Lolô conseguir um
emprego de bilheteira no teatro mais sujo da Praça Tiradentes, naquela época
"o" endereço nobre do Rio de Janeiro (até a ascensão da Barra e
do Leblon, claro). Ela fez tanto sucesso na boca − e na
mão − do caixa que a plateia não assistia mais às peças. Ficava ali
mesmo, no saguão de entrada, ouvindo suas piadas. Foi aí que Boni Bolacha, dono
do estabelecimento, teve a ideia genial: levar tia Dercy para o palco.
Em duas semanas, Lolô virou a estrela da Broadway
tupiniquim. Dois meses depois, já brilhava no cinema, contracenando com Grande
Oscar, Otelito, Fernanda Montebranco e outros astros do Sistema Solar. O ápice
de sua carreira foi a vitória por unanimidade no Troféu Perereca da Vizinha, na
categoria melhor atriz que utiliza a língua brasileira de sinais.
Infelizmente, o final de sua estória não foi nada alegre ou
apoteótico. Graças à Dona Censura, uma velha invejosa da ditadura alheia, tia
Dercy teve de (novamente) fugir; dessa vez, do país. Passou vários anos na
França como uma dançarina decadente do Moulin Rouge. Só após o fim do regime
totalitário e a lulalização do Brasil, os parisienses puderam finalmente
extraditá-la para cá. "Xô, Perereca, xô, Perereca!", comemoravam diante
do Arco do Triunfo.
Olá :)
ResponderExcluirE como a história dela é emocionante...
Afinal, não são todos que conseguem chegar ao centenário, com toda aquela energia e vontade que Dercy tinha! Ainda não assisti o especial (já que aqui em Portugal, estreia tudo atrasado, hehehe) mas espero sinceramente que a retrate bem!
Beijinhos
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www.jehjeh.com
Legal!
ResponderExcluirParabéns!
Gostei do post - homenagem á Dercy ..seguindo seu blog , passa no meu
ResponderExcluirhttp://andyantunes.blogspot.com/