Estou
pensando em abrir uma lojinha. Coisa modesta, que eu não sou de querer
joalheria favorita de político para ganhar isenção fiscal. A ideia é até trabalhar
com joias e outros tesouros, mas não do tipo que orna primeiras-damas. O lugar
há de lembrar um daqueles quinquilhódromos que só negociam raridades, como o
muquifo onde o senhor Peltzer comprou um mogwai para o filho no Natal ou o
cafofo onde Harry Potter foi escolhido por sua varinha.
As
relíquias, no entanto, não serão objetos empoeirados de saudade. Não espere
encontrar lá o rádio em que a bisa ouvia O
direito de nascer, o cuco em que o biso contava as horas para rever o broto,
a Olivetti com a qual a vovó datilografava os memorandos ditados pelo chefe, a
Caloi com a qual o vovô corria o bairro vendendo sonhos de porta em porta.
Em
vez disso, espere encontrar entre as prateleiras – diariamente lustradas com
utopia – um smartphone que faz jus ao nome por só receber e enviar notícias
verdadeiras e relevantes. Ele vem com um chip que exclui automaticamente textos
não assinados (em geral, compartilhados por sites sem expediente), jornalistas
declaradamente apaixonados por vices golpistas e manchetes sobre a Bruna
Marquezine na fila do pão.
Espere
encontrar ainda um relógio que encurta o dia quando o dono tenta encaixar mais
uma reunião no escritório, mais um aparelho na musculação, mais uma DR na noite
– e que estica as horas quando ele resolve escrever um poema, quando ele vai ao
cinema com os filhos, quando ele tira o amor de sua vida para dançar.
Uma
seção particularmente especial será a dos teclados inteligentes. Praticamente
um Bumblebee doméstico, o equipamento vem com um dicionário na memória que não
só corrige qualquer deslize ortográfico no momento da digitação, como também sugere
aos seus usuários palavras que eles pouco ou nunca utilizam no dia a dia.
Ultimamente, verbetes como “diálogo” e “empatia” têm sido muito recomendados. Outra
vantagem dos TIs é que eles têm um dispositivo que trava as teclas sempre que o
sujeito decide redigir um textão com conteúdo racista, xenófobo, misógino,
homofóbico etc.
Pena
que essa tecnologia não estava disponível antes do discurso de posse do Trump.
A
Alvissareira ainda terá um espaço para os clientes deixarem suas bicicletas – porque
a gerência pretende desestimular o uso do automóvel – e um café com aquelas poltronas
tão aconchegantes quanto a casa dos avós aos domingos – onde os amigos poderão esquecer
o presente enquanto saboreiam uns futuros polvilhados de açúcar e canela.