Lá
pelas tantas de Esperando Zilanda, romance de Tamara Sender (Annablume, 2010), Estela lembra ao amigo José, com quem fala apenas por e-mail, que ainda existem chamas no mundo; que edifícios – como o da repartição em que ela trabalhava – pegam fogo; que há por aí “labaredas, saídas de emergência, mãos dadas, lances de escada, alarmes e alardes, gritos, fumaça, tudo fora dos padrões comerciais”.
Autodeclarada
bomba em caixa de fósforos, Estela/estrela é dessas chamas: faísca num firmamento
afogado em cinzas.
Numa
época em que não se comover com os discursos do papa, o PIB da Suazilândia e as
eleições nas Ilhas Maurício pode soar como pirraça ou indolência, ela foge sem
cerimônia da voz do William Bonner. Não quer ouvir o Jornal Nacional. Simplesmente não quer. Prefere jornais velhos e
cafés frios.
Enquanto
os outdoors do senso comum enaltecem a perseverança, o esforço e a superação –
atitudes que para a moça só aumentariam nosso desgaste cognitivo –, ela defende
a resignação como ato heroico. A desistência como gesto muito mais humilde.
Nobre até. Não por acaso o fato de reconhecer a existência de “histórias
magníficas de boicote a si mesmo” a leva a admitir que au-to-fla-ge-la-ção, “palavra
de respeitosa divisão silábica”, poderia fazer parte de uma lista de vocábulos
felizes.
Falando
em lista, a de suas dificuldades para lidar com as coisas ditas mais simples
vai longe. Contrariando as bulas de felicidade, Estela considera a gravidez uma
invasão de privacidade e o contato diário/compulsório com seres humanos algo
extremamente nocivo à saúde. Nada a deprime mais do que contribuir para a
perpetuação da espécie. A não ser, talvez, uma praça de alimentação cheia de
pessoas trocando presentes de Natal.
Ou
a tevê ainda acesa no meio da madrugada. Olimpíadas ao vivo. A atleta com a tão
sonhada e suada medalha de ouro no peito. A bandeira verde-amarela tremulando o
hino nacional. Os locutores gritando Brasil mil vezes seguidas. Os recordes
quebrados. As histórias edificantes. As gagueiras intencionais. Os infartos
iminentes. E então Estela se pergunta: o que leva uma pessoa a dedicar a vida
ao salto com vara?
Poucas
vezes conheci protagonista tão deliciosamente desprovida de paciência para
céus, luas, estrelas ou quaisquer grandiosidades e lirismos, o que explica,
aliás, o desgosto que sente pelo próprio nome. Raras vezes encontrei narradora tão
obstinadamente disposta a desarrumar – com tantas entrelinhas de ironia – o
“ambiente de acontecimentos retumbantes” em que vivemos.
Logo,
não surpreende que – apesar ou por causa dessa infinita disposição para a
desordem – ela use o título de seu diário para sublinhar a rotina de esperar a
empregada, aquela que vem toda semana para pôr as coisas no lugar, uma das
poucas criaturas capazes de alertá-la para sutilezas da vida como o Vidrex: o
Veja específico para limpar vidros e afins.
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