Se
for verdade que a cada cinema fechado morre uma fada, os cariocas correm o
risco de testemunhar um dos maiores fadicídios da história. A possibilidade
desse holocausto de sininhos tornou-se real com a notícia de que o Grupo
Estação – responsável por dezesseis salas dedicadas a filmes quase sempre
ignorados pelos multiplexes – vive uma grave crise financeira e pode subir os
créditos em breve.
Não
bastasse tanta tela por aí ter abaixado as cortinas nas últimas décadas, dando
lugar a igrejas e farmácias – o que só fez crescer a taxa de natalidade de
cantoras gospel e viciados em aspirina –, agora mais essa.
O
que há de restar aos cinéfilos, se a falência for confirmada? Cinemarks e kinoplexes?
Nada contra os Vingadores, o Batman ou o Superman, ainda que até pouco tempo
atrás alguns vestissem a cueca por cima da calça; nada contra aliens e
cataclismas que insistem em devastar Washington e Nova York; nada contra as
comédias mais românticas, desde que não exagerem no açúcar; nada contra as fitas
de ação mais zero-zero-séticas; nada contra princesas, bichinhos fofos, jedis,
feiticeiros e vampiros (não incluídas aqui, obviamente, as criaturas banguelas
de Stephenie Meyer).
Enfim,
(quase) nada contra as grandes redes – a não ser o fato de tentarem nos fazer
engolir cópias dubladas e pipoca amanteigada em ouro.
Mas
é que nem só de Hollywood vive quem gosta de cinema. Desde que entrei a
primeira vez numa das salas do antigo Espaço Unibanco, hoje Estação Rio, para
ver o chileno Um táxi para três, lá
nos idos de 2001, iniciei uma odisseia por novos espaços e sabores. Não me
satisfazia mais uma dieta à base apenas de blockbusters. De repente eu tinha
descoberto vida além do McDonald’s.
Não
consigo mais imaginar meu cardápio sem atores como Audrey Tautou (enigmática em
Bem me quer, mal me quer, doce em A delicadeza do amor) e Ricardo Darín (genial
em O filho da noiva, O segredo dos seus olhos, Um conto chinês e até em trailer de
margarina); sem diretores como Lars Von Trier (faca só lâmina em Dogville) e Costa-Gravas (lâmina só faca
em O corte); sem pepitas como o
espanhol Sêmen, uma história de amor e
o norte-americano Meu encontro com Drew
Barrymore (garimpadas em Festivais do Rio); ou mesmo sem iguarias indigestamente
exóticas, como o finlandês O homem sem
passado (de Aki Kaurismaki) e o francês A
espuma dos dias (de Michel Gondry).
E
ainda houve os nacionais: O homem que
copiava, Madame Satã, Durval Discos, O cheiro do ralo, Mutum, O outro lado da rua, Edifício Master, O som ao redor... A lista é tão infinita e variada quanto os mundos
e personagens que pude conhecer graças aos cinemas administrados pelo Estação. O
fim deles seria um golpe de Jason em nosso já restrito mercado distribuidor –
setor que, de maneira geral, em vez de apostar na diferença, na diversidade,
tem preferido trilhar a autoestrada dos megalançamentos, o atalho do risco
praticamente zero, a via segura da pasteurização.