domingo, 17 de novembro de 2013

Quem quer um aviãozinho?

Pobre do meu queixo: teve de fazer um pouso de emergência há alguns dias e acabou danificando toda a lataria. Felizmente, a queda não comprometeu os circuitos internos e logo, logo ele estará prontinho para novas aterrissagens forçadas – dessas que só este mundo com alma, fuça e madeixas de Galeão Cumbica é capaz de provocar.

O acidente, desta vez, se deu graças a um vídeo divulgado pela companhia aérea Virgin America. Um filmete de cinco minutos que transforma as necessárias instruções de segurança – como a clássica em-caso-de-despressurização-da-cabine-máscaras-cairão-automaticamente... – num número musical digno de um espetáculo da Broadway. Aeromoças e demais tripulantes cantam, dançam, saltam, piruetam, fazem corinho e coreografia até com insuspeitos coletes salva-vidas. Arrasam no rap, arriscam passos de street dance e por pouco não chegam ao moonwalk. Praticamente um remix de Glee com Apertem os cintos... O piloto sumiu!

A justificativa da empresa para o investimento hollywoodiano no clipe – além da óbvia promoção da marca – é impedir que o passageiro, entediado com as orientações de sempre, cochile a ponto de babar nos estofados e acabe não prestando a devida atenção a informações essenciais na hora de correr até as saídas de emergência.

Parem as turbinas da aeronave que eu quero descer. Quer dizer que agora até basiquíssimas instruções de segurança precisam ser apresentadas de maneira “divertidinha” para atrair olhos, ouvidos e neurônios alheios? Que me perdoem os fãs e seguidores do fantástico show da vida: mas hoje tudo – absolutamente tudo – tem de ser entretenimento?

Do jeito que as coisas vão, logo professores só ensinarão orações subordinadas e equações do segundo grau se tiverem tanto talento para stand-up quanto um transgênico de Adnet com Porchat; médicos só passarão suas prescrições se bailarem a Macarena com duas melancias penduradas no estetoscópio; jornalistas só comentarão as taxas de juros se as entremearem com as últimas da novela; juízes só lerão suas sentenças se derem uma palhinha – entre um inciso e outro – do Sinatra que escondem sob a toga.

Já estou até vendo os manuais de geladeira do futuro, todos escritos à moda Agatha Christie, a fim de deixarem o leitor em suspense até a derradeira especificação técnica. Conseguirá Miss Marple solucionar o mistério dos alimentos descongelados? Que fará Hercule Poirot diante do estranho caso da porta que não veda? Serão os dois grandes detetives, em parceria inédita, capazes de decifrar o maior de todos os enigmas: como remover as prateleiras para limpeza?

Imaginem as filas de banco, então. Divididas entre os setores vip e vipão, como naqueles teatros com nome de cartão de crédito. Repletas de garçons atrapalhando a visão do palco ao oferecerem bolinhos de bacalhau a preço de salmão com azeite trufado. Superlotadas de aposentados esperando a vez de receber seus caraminguados – enquanto funcionários os distraem com acrobacias de fazer qualquer Cirque du Soleil parecer aula de ginástica da terceira idade.

Sinceridade? Medo de abrir a caixa preta do mundo e descobrir lá dentro uma gigantesca plateia de colegas de auditório.

3 comentários:

  1. Boa harmonia no seu texto da história e em todo.

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  2. É isso mesmo... vejo bastante isso nas escolas... o professor que vai com a intenção de "apenas" passar conhecimento, sofrerá... ele terá que ser "legal" também... fazer músicas para os alunos decorarem as formulas, contar piadas para descontrair, fazer brincadeiras enquanto ensina, e assim vai... praticamente um artista... rsrs

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  3. kkkkkkk sabe que viajei no seu texto????!!! Fiquei imaginando as filas de bando e até o manual.
    Adorei muito o seu texto.

    Passa lá:

    Site com muitas informações uteis sobre nossas leis com uma linguagem que todos podem entender!!!

    http://ananicolau.blogspot.com.br/2012/09/direito-das-sucessoes-comoriencia.html

    Comente!!!

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