Contrariando
a (minha) regra básica de todo festival de cinema – a de que a graça não está
em ver antes de todo mundo o novo Tarantino, mas em garimpar as fitas que
jamais darão o ar dos créditos nem em catálogo de mostra de diretor iraniano
underground –, desta vez não quis embrulhar meus neurônios mais navegantes e resolvi,
por isso, atracá-los num porto seguro: o de Liverpool.
É
lá que se passa boa parte do doc Nossa
querida Freda – a secretária dos Beatles, cuja protagonista é uma quase setentona
que, aos de-zes-se-te anos, e depois de frequentar fãzocamente os porões do
Cavern Club, tornou-se o mindinho direito de John, Paul, George, Ringo e (Brian)
Epstein, o primeiro empresário da banda.
Mindinho
porque, apesar de colher autógrafos, dedicatórias, mechas de cabelo, pedaços de
camisa e até mimos inusitados (como uma fronha dormida por Ringo) de seus
patrões a fim de enviá-los (os mimos, claro) às membras do fã-clube – e de
estar sempre tão perto deles a ponto de a imprensa, em dado momento, cogitar um
casamento entre ela e Paul –, Freda procurou ser a garota mais nowhere possível,
e em nenhum instante pareceu tirar proveito da situação para se promover ou
ganhar uns trocados com souvenirs, furos ou biografias não autorizadas.
Tanto
é que ainda hoje malha os dedos de secretária nos teclados da vida e raramente
comenta com familiares e amigos os anos imersos no submarino amarelo. Ela mesma
diz que só decidiu falar para a câmera do cineasta Ryan White quando se deu
conta de que logo o neto recém-nascido encontraria a avó sentada numa cadeira, gato
a tiracolo, e não imaginaria o que ela tinha feito na juventude.
Uma
de suas responsabilidades (ou privilégios) era receber as centenas de cartas
que chegavam toda semana à sua casa, ingenuamente transformada por ela em sede postal
do fã-clube, que passou a presidir. Seu pai, coitado, nadíssima feliz com o
trabalho da filha, é que se revirava para achar – entre milhares de love, love,
love – as contas de água, luz e gás.
De
certa forma, Freda era como essas contas: um resquício de vida-como-ela-é, um
vestígio de sobriedade e comedimento, em meio a tanta histeria. Quase
inacreditavelmente, a menina adolescente adulta – que, segundo a própria,
amadureceu rapidamente naqueles anos – conseguiu manter os pés fincados no
meio-fio da realidade, ainda que diariamente atravessasse abbey roads e penny lanes.
A
certa altura do filme, ao ser indagada sobre um possível affair com um dos
rapazes, ela pede entre sorrisos para pular a questã. Não se poderia esperar outra reação – à Monalisa – de quem foi
tão íntima do mítico quarteto e, mesmo assim, encarava o emprego dos sonhos de
qualquer beatlemaníaco como um
emprego, sem aparentemente se deixar entorpecer pelo céu de diamantes que
pairava sobre sua cabeça.
Muito bom a resenha, companheiro!
ResponderExcluirMe lembrei de quando li o livro da ex-secretária de Hitler, Traudl Junge (longe de qualquer comparação, por favor!) e de como ela muito nova também, passou a ter contato com um personagem histórico tão marcante ... Até em sua última entrevista, antes de morrer, ela continuava a afirmar que nunca iria ser perdoar por ter feito parte daquilo tudo, apesar de não se envolver "diretamente" ...
No livro ela deixar parecer que encarava o trabalho como um trabalho "qualquer" também ...
Devemos sempre relativizar as coisas ... mas sob determinadas circunstâncias é bem complicado ...
Bom ... achei seu blog no Orkut ... hahaha !
Se puder depois de uma olhada no meu ...
Abraços!
http://reflexoesdostoievskianas.wordpress.com/
Esse ano não fui no festival... :( minha prima que iria pirar em ser secretária deles... na verdade não iria ser, já que não conseguiria se concentrar no trabalho... rsrs
ResponderExcluirQue interessante a história dessa mulher, com certeza deve ter muitas histórias e segredos para contar.
ResponderExcluirótima resenha!
Nossa, muito interessante esse post. Confesso que não sei quase nada sobre os Beatles, mas saber do profissionalismo dessa jovem foi demais! Nos dias de hoje, a secretária de uma banda super famosa e bem sucedida, tentaria tirar proveito de todas as formas possíveis. Freda, no entanto, quase se deixou cair no esquecimento...Gostei muito, se tiver oportunidade, tentarei assistir a esse documentário com certeza!
ResponderExcluirhttp://meupassatemponodiaadia.blogspot.com.br/