Jardim
de infância. Eu devia ter uns quatro, cinco anos. Subia e descia o escorrega do
parquinho da escola, quando me deu aquela vontade de fazer xixi. Fiquei com
vergonha de pedir à tia Cláudia pra ir ao banheiro e acabei molhando o uniforme.
Não lembro bem como foi, mas depois confessei (ou confessaram) meu crime a ela
e voltei pra casa de shortinho trocado.
Outra:
tomei mamadeira até sete, oito primaveras. Juro. Podem anotar aí que o marmanjo
aqui, que já sabia ler e escrever – a ponto de ter desbravado sozinhamente as
páginas do clássico infantil O pintinho
cabeçudo –, saboreava o mingau de mamãe todo santíssimo dia antes de ir pro
colégio. E ainda lambia o bico.
Querem
mais? A vez em que quase engoli uma moeda. Podia ter sido uma bala Soft, mas
não – foi o vil metal. Sinal precoce da minha ganância capitalista de (ainda)
pequeno burguês. Não por acaso eu também devorava as revistas do Tio Patinhas e
as coxinhas mais poupançudas nas festinhas de aniversário dos amigos.
O
pior vocês não sabem: sempre senti uma inveja caímica do meu irmãozinho por ele
ter aprendido a andar de bicicleta e eu não; por ele chegar aos chefões de fase
do Sonic muito antes de mim; por ter me levado à falência inúmeras vezes
jogando Banco Imobiliário; por mostrar mais jeito pra Romário do que eu. Pensa
que eu esqueci aquela caneta no play bem na frente dos outros, manito?
Mas
meu dark side não para por aí. Fui à Disney duas vezes e, em ambas, me
emocionei ao abraçar o Mickey. Chorei vendo Marley
e eu no cinema. Fiz a coreografia (completa) de “Ilariê” na minha festa de
casamento. Perco a dignidade aos primeiros acordes de “Dancing queen”. Ainda mergulho
biscoito no café. Discuto novela como se fosse vida real. Corro de lagartixa feito
figurante japonês do Godzilla.
Já
votei no Fernando Henrique e no Lula.
Alguém
há de perguntar a razão desse arquivo confidencial. O motivo dessa sessão de
descarrego. O porquê desse momento meu-passado-me-condena. Só estou me antecipando
a quem se arriscar a escrever minha biografia não autorizada. A quem ousar invadir
minha privacidade e botar no varal do mundo aquela velha calça desbotada (ou
coisa assim).