O
sujeito traçando o pê-efe no balcão do boteco, as crianças atravessando a rua
fora da faixa, a dona examinando as laranjas no hortifrúti e, de repente, dou
eu de novo com aquela senhorinha tomando sol no banco da praça, inclinada sobre
as páginas de outro tijolaço (não mais do Kafka ou do Bandeira, agora da Jane
Austen) e desavisada do resto do mundo – daquele mundo.
Quase
sempre é chato à beça ficar tirando lição de tudo que se vê, mas a cena era
metonímica demais pra deixar passar: a representação perfeita de quem
atravessou décadas sem perder a capacidade – e o desejo – de continuar
vitaminando corpo e mente, de quem não permitiu que uma âncora a prendesse num
porto aborrecidamente seguro.
Oxalá
as pessoas copiassem o exemplo daquela velhinha, especialmente as que, ainda
jovens, insistem em pendurar um ferregulho no pescoço do próprio barco.
As
que seguem sempre o mesmo caminho até o trabalho; as que engolem sempre o mesmo
filé com fritas; as que borrifam sempre o mesmo perfume de rosas; as que veem
sempre os mesmos filmes de ação; as que escutam sempre a mesma banda de rock;
as que assistem sempre ao mesmo canal; as que pegam sempre a mesma praia nas
férias; as que sempre.
As
que nunca içam velas em busca de um horizonte que as surpreenda.
E
acabam não descobrindo a lojinha de fantasias na rua paralela à do trabalho; o
sabor delicadamente adocicado do molho teriyaki; o aroma exótico da flor das
sete cores; a elegância surreal daquele Woody Allen às margens do Sena; os
versos de poeira e carvão de um forró do Seu Luiz; o programaço de entrevistas
no finzinho do controle-remoto; o chalé bem no alto da montanha.
O
mar aberto à sua frente – inundado de possibilidades oceânicas.
Aos navegantes, um aviso daquela senhorinha (de quem me
tornei amigo após dois ou três olás, e fã número um depois que me mostrou as
fotos de sua última viagem à Disney): jamais permita que seu casco encalhe numa
ilha distante e fique lá o resto da vida. Você corre o risco de perder contato
com novas correntes, de se acostumar com uma paisagem só, de se deixar molhar
pelas mesmas ondas – de virar um náufrago por acomodação.
Não deve ser por acaso que sua próxima aventura – ela me contou toda animada – seja um cruzeiro. Daqueles com sistema all inclusive. Faz sentido.
Não deve ser por acaso que sua próxima aventura – ela me contou toda animada – seja um cruzeiro. Daqueles com sistema all inclusive. Faz sentido.