domingo, 30 de dezembro de 2012

Aviso aos navegantes

Pode ser que, de repente, a gente não vá pra Califórnia
Nem vire artista de cinema

Ainda assim, vivamos sobre as ondas – num indo e indo infinito

Que o vento beije nossos cabelos
Que o sol abrace nossos corpos
Que nossos corações cantem felizes

Que uma luz azul nos guie com firmeza
Que os recifes lá de cima (se existirem) nos avisem dos perigos
Que fiquemos bem à vontade pra descobrir os sete mares

Navegar é o que mais queremos

Que em todo porto tremule a velha bandeira da vida
Que todo farol ilumine uma ponta de esperança

Que caminhemos muito além dos passos de formiga
Com vontade, vertigem, paixão, vício

Que levitemos de tesão

Que abramos as asas, soltemos as feras, caiamos na gandaia
Que entremos em toda festa: dançando bem, mal, sem parar, até sem saber dançar
(Tudo bem, tudo zen, meu bem)

Que não desejemos mal a ninguém
Que conheçamos a dor (nem sempre é so easy viver)

Que provemos toda forma de amor
Que nos permitamos o som da guitarra, a voz rouca e o coração na mão

Que encontremos para todo mal a cura

Que possamos rabiscar apenas mais uma (história) de amor
Mesmo que ela não passe de uma ideia na cabeça
Mesmo que ela não tenha a menor obrigação de acontecer

Mesmo que sejamos os últimos românticos
A bordo desta nau de insensatos

domingo, 23 de dezembro de 2012

A árvore da vida

A cena aconteceu num shopping abarrotado – ou amarrotado? – de gente, embrulhos, luzinhas e jungle bells. Que jingle bells o quê. O lugar era a selva. Mal havia espaço nos cipós de pisca-piscas. Mal se via o chão coberto de azevinhos. Mal se ouvia o canto dos canarinhos-de-petrópolis. Enfim.

O fato é que – contra todas as probabilidades – escutei uma conversa entre duas senhorinhas, provavelmente amigas de muitos Natais passados, na qual uma delas recordava o primeiro ano de casada, o primeiro dezembro, quando ela e o marido compraram e montaram juntos a primeira árvore.

Tão bom enfeitá-la! iluminá-la! – lembrava com uma gotinha de saudade nos olhos. No segundo ano, nós até a tiramos da caixa, mas praticamente na véspera, no dia 22, 23. No terceiro, a preguiça nos venceu e, a partir daí, só colocamos a guirlanda na porta. E olhe lá.

Anoiteci (como uma conhecida canção natalina). Quer dizer que bastaram três anos para um pinheirinho com ares de árvore da Lagoa se transformar num amontoado de galhos sem graça? Para aquelas bolas vermelhas, aqueles noéis fofinhos, aquelas fitas douradas se tornarem apenas bolas, noéis, fitas?

Os sinos gemeram.

Seria a tal árvore uma espécie de metonímia da relação daquela mulher com o marido, com o mundo, com a vida? Teria ela se desencantado com todo o resto? Com o enésimo jantar a dois, o enésimo almoço em família, o enésimo cinema de sábado, o enésimo churrasco de domingo, a enésima viagem pro litoral, o enésimo livro na cabeceira, a enésima notícia no jornal, o enésimo alarme do despertador?

Espero que não.

Ainda que os dias, os meses, os anos surjam como panetones recheados desses e de tantos outros enésimos (aquelas frutinhas cristalizadas de rotina), tentemos não nos deixar vencer pelo desencanto. Tentemos não nos contentar, preguiçosamente, com a guirlanda na porta.

Todo ano, assim que acabar o Natal presente, comecemos a cultivar a árvore do Natal futuro: pensemos cores diferentes, escolhamos badulaques novos, procuremos lâmpadas com efeitos mais especiais; não demos chance para que certos fantasmas escondam nosso pinheirinho numa caixa de papelão perdida no alto do armário.

Bem antes da chegada da noite feliz, façamos questão de que ele esteja pronto, abarrotado de embrulhos, luzinhas e – agora sim – jingle bells. Mas o mais importante: abarrotado da gente. Da nossa vontade de enxergar em cada um daqueles enésimos – dos mais divertidos aos mais entediantes, dos mais alegres aos mais tristes – um motivo para celebrar a vida; para enfeitá-la e iluminá-la todos os dias do ano, antes, durante e depois de cada 25 de dezembro.

Mesmo que de vez em quando ela nos amarrote um bocado.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Bodas de coral

Última terça, 10 de dezembro. Liguei pra Mãe. Queria saber como tinha sido a viagem a São Lourenço, sul de Minas – descansou? passeou? fez sol? tirou muita foto? coisa e tal. Papo vai, papo vem, vai também aquela pesquisinha básica dos presentes de Natal: camisa pro Pai, perfume pra Tia, CD pro Mano e demais etcéteras a serem encomendados ao Sr. Noel.

Filho exemplar, não? Tão atencioso com a família. Tão dedicado aos seus. Tão... Que nada. Bastaram dois, três minutinhos no telefone pra Dona Angela me lembrar da falta que uma folhinha faz: hoje seu pai e eu completamos 35 anos de casados.

Ah, é mesmo?! Parabéns!...

Ela agradeceu as quatro palavrinhas – regadas a espanto e constrangimento – e a conversa continuou. Sem melindres. Pelo menos da parte dela. Só que eu me senti tão culpado de não ter guardado a data com a devida atenção que resolvi aplicar a mim mesmo punição das mais severas: um ano sem sorvete (quem me conhece sabe o quão pesado é o castigo). Nada de picolé, sacolé, latinha, caixinha, cremoso ou não. Casquinha, nem pensar. Vetada até a raspadinha de gelo.

E mais: o compromisso de assinar esta tentativa meio desajeitada de homenagem, esta croniqueta que não faz jus a anos tão intensamente (e bem) vividos – que merecem ser comemorados com buquezão de flores, festa-flashback, jantar romântico, semana na Disney, show do Paul McCartney, tudo que desejarem. Ainda será pouco.

Desses 35 anos, participei de 32 (fora os nove meses de sombra, água fresca e soninho gostoso no útero de mamãe). Mais de 11 mil dias juntos, inúmeros instantes de porta-retrato e a oportunidade de compreender o significado dos únicos substantivos capazes de abraçar os adjetivos que definem uma relação verdadeiramente a dois: amizade, carinho, companheirismo e – a apelação é sincera – amor.

Brigado, Mãe. Valeu, Pai. Pela história escrita genuinamente a quatro mãos (dadas).

Que as bodas de vinho – daqui a 35 anos ainda mais felizes – sejam tão saborosas quanto a vida que cultivaram até aqui. Que tenham aquele gostinho de champanhe estourando réveillons, de fogos explodindo copacabanas, de alegria espalhando risadas e (por que não?) de sorvete serenando verões.

(Só espero que, após tantos substantivos, adjetivos e afins, eu possa requerer anistia. Ou ao menos um relaxamento de pena. O indulto natalino, acho que já consegui.)

domingo, 9 de dezembro de 2012

Contato

Sabe aquele filme que você nunca viu inteirinho, do orgulhosamente-apresenta ao the-end, mas – vira e mexe e zapeia – assiste a uma cena aqui, escuta um diálogo acolá, invariável e inacreditavelmente os mesmos? Contatos imediatos do terceiro grau e eu. Caso típico de contato nada imediato e, no máximo, de primeiro grau.

Vez ou outra eu esbarrava no trecho em que o garotinho é levado pelos ETs: elezinho na janela exclamando ingenuamente “Toys!”, maravilhado com os efeitos especiais dos visitantes; a enceradeira e outros utensílios incorporando o poltergeist; as luzes invadindo aquela-casa-no-meio-do-nada por todos os poros, da fechadura à lareira; o desespero da mãe ao não conseguir evitar o sequestro do filho. Arrepios provocados sem solavancos sonoros ou explosões digitais. Bons tempos.

Tão bons quanto a última semana, quando finalmente tive a chance de percorrer o clássico spielberguiano do Deserto de Sonora, no México, à Montanha do Diabo, nos Estados Unidos. Como o jovem Roy Neary (interpretado por Richard Dreyfuss), resolvi enfim me deixar abduzir pela nave-mãe. E a viagem valeu a pena.

A começar pela sequência na qual Roy está em seu carro e acena para que um apressadinho (só vemos os faróis) o ultrapasse. Instantes depois, outro “apressadinho” surge no retrovisor e também o ultrapassa; só que, desta vez, os “faróis” sobrevoam o automóvel. Ainda o sacodem um bocado, bronzeiam o rapaz com o brilho de trocentos megawatts e, por fim, somem no céu, numa mistura precisa de (muita) luz, câmera, ação e humor – a lanterna que se acende ao final da “experiência”, assustando o herói.

Falando em céu, atenção a cada quadro em que aparece sozinho, aparentemente inofensivo e estrelado, ligando uma cena a outra. “Watch the skies”, diz um personagem a certa altura. Há sempre um pontinho bem suspeito riscando o firmamento, atravessando a tela. E mais coisas entre céu e filme do que supõe nossa vã ufologia. Nada ali é coincidência.

O épico Os dez mandamentos na tevê, o monte pelo qual os doze “escolhidos” ficam obcecados, o fato de serem doze escolhidos, os pombos – elementos que não dão o ar da graça por acaso ou milagre; entrelinhas bíblicas que transbordam do roteiro e nos conduzem até o desfecho antológico.

A sequência da Revelação – na qual os homenzinhos cinzentos descem de sua nave technicolor ao som de notas musicais tão encantatórias quanto as do flautista de Hamelin, talvez por isso apropriadíssimas para o derradeiro e mais importante contato. Aqui as palavras soam desnecessárias e, inteligentemente, são em sua maioria descartadas. O que os olhos veem o coração sente.

Sente que acabamos de travar um contato além do imediato e da imaginação – um contato de enésimo grau – com o mais puro cinema. A arte dos que parecem já ter um dia embarcado (para uma galáxia muito, muito distante?) e voltado para contar a história.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Quero ser grande

Diferentemente da maioria dos meus coleguinhas, nunca tive pressa de crescer – virar homem, ganhar meu dinheiro, sair de casa, ser independente. Semprei gostei muito da infância. E, como sabia que ela não duraria eternamente, fiz questão de estendê-la tanto quanto fosse possível. O Mickey na estante da sala não me deixa mentir.

Mas o tempo passa, o tempo voa, já lembrava um velho comercial de banco. Cresci  virei homem, ganho meu dinheiro, saí de casa, sou independente. Só que ainda não sou grande como um dia imaginei.

Como um dia imaginei ser o super-herói de capa esvoaçante requisitado por toda uma Gotham City, o músico idolatrado por toda uma legião de beatlemaníacos, o ator aplaudido por toda uma plateia de Oscars, o autor aclamado por toda uma mesa de chá na Academia, o craque ovacionado por todo um Maracanã.

Pois certa vez, numa das minhas andanças pelos parques temáticos da vida (eu sempre tentando manter vivos os dias de moleque), esbarrei numa máquina de desejos do tipo cigana, daquelas com jeitão de que adivinha o futuro e conhece o passado, como a que mudou a rotina de Josh Baskin (Tom Hanks) no clássico oitentista Quero ser grande.

Bastaram duas moedinhas, uma consulta – do que preciso para ser grande? uma Gotham? uma legião? uma plateia? uma Academia? um Maracanã? –, e ela me deu o mapa do tesouro do pirata Alma Negra: siga aquela estrada de tijolos amarelos até a primeira loja de brinquedos. Hã?! Como é que é?! Não entendi bulhufas. Mas obedeci. Como a criança bem-comportada que sempre fui. O Mickey-chaveirinho na mochila não me deixa mentir.

Segui a tal estrada. Até a tal loja. Ao entrar lá e me deparar com tantos bonecos (e bonecas) que povoaram minhas tardes de menino – e, especialmente, ao descobrir um Batman todo equipado nas mãos de um garoto tão parecido comigo –, me dei conta do que a máquina queria dizer, da piadinha sem graça que ela me havia soprado: o sujeito só é grande mesmo quando vira miniatura.

Seja ele carne e osso ou pura fantasia, seja ele cantor famoso, astro de Hollywood, escritor best-seller, jogador de Seleção – ou rato de desenho animado.

Tão aí meus Mickeys de estimação que não me deixam mentir.