Fernanda
que não me escute: mas quando saio andando por aí, me apaixono muitas vezes.
Pode ser no caminho do trabalho, de casa, da padaria, do banco. Chova ou faça
sol entre nuvens. Basta que as Melissinhas daquela mulher atravessem a rua em
câmera lenta – o céu azula todinho, o queixo cai e ainda arrasta os olhos.
Basta
que o gari dê uma sambadinha entre uma lixeira e outra. Que a vó não resista às
bochechas indecentemente fofas da neta e leve o pão doce. Que o motorista do
ônibus deixe o volante para ajudar o tiozinho a subir com as sacolas do mercado.
Que os amigos dos tempos da brilhantina se encontrem na esquina para rir bem
alto das atuais carequices.
Que
o ambulante cumprimente até o sujeito que jamais compra nem alfinete pirata.
Que
aquele sobrado esteja sempre no mesmo lugar, entre os dois fura-céus: a árvore
esparramando sua copa sobre o quintal, o senhor de óculos grisalhos bebendo a
caneca na janela do segundo andar, a mulher de vestido gordo varrendo as folhas
com a mangueira, o molecote de shortinho verde correndo da água com as mãos sujas
de terra e biscoito maizena.
Basta
que um pingo da cena tinja a calçada, respingue nos meus pés, que o meu coração,
em vez de acelerar, cameralenta – no mesmo passo daquelas Melissinhas.
Basta
que, de repente, o mp3 replaye a canção que eu já tinha esquecido que um dia
existiu. Que ela sirva de trilha para o beijo do casal diante dos jornais
expostos na banca. Que os jornais da manhã anterior cubram o sem-teto que
insiste em repetir o mesmo poema para quem vai apressado.
Que
um verso se solte do asfalto.