Como todo dia, Zé pulou do colchão feliz da vida. Devorou o
pãozinho de anteontem como se fosse de hoje, bebeu o café ralo e requentado num
só gole, deu um beijo nos filhotes magrelos e remelentos − Leydi
Dayanne e Jorge Uóshinton −, fez um carinho no vira-lata e guardou na
bolsa surrada a marmita que Rosinha tinha preparado. Saiu para o trabalho.
O ônibus demorou. Demorou. Demorou tanto que ele resolveu
esticar o esqueleto até a estação de trem. Lotado. Gente nas portas, nas
janelas, no teto, feito sardinhas enlatadas a vácuo. Zé só venceu a
muralha desumana e achou seu centímetro quadrado − sob o sovaco de
uma senhora tamanho GG − usando sua delicadeza de papagaio manco. Ah,
como a dona suava.
O coitado chegou ao trabalho encharcado e atrasado. Não
dava para saber se mais encharcado ou atrasado. Levou uma dura do patrão e um
tapinha nas costas do melhor amigo. Botou o saco no carrinho e foi à luta. O
chefe mandou jogar o entulho no terraço, misturar a massa, colocar o piso,
pintar a parede. Zé jogou, misturou, colocou, pintou. Pausa para a boia
fria.
Depois do almoço, não houve nem dez minutos para descansar
a carcaça. O cano estourou, e lá foi o Zé consertar. Olhos no vazamento,
ouvidos no radinho. Jogo do América. Quebra de cá. Os Diabos sofrem o primeiro
gol. Quebra de lá. O segundo. Quebra, quebra. O terceiro. Troca o PVC, a
conexão. Troca o time inteiro. Sangue!
Zé dá o sangue em todas as coisas que faz. Por causa do
atraso, decidiu estender o expediente. Os colegas deixaram o prédio às seis em
ponto. Ele ficou. Adiantando o serviço e fazendo hora. A roda de samba era só
às dez e tal. Esquindô, esquindô, estalou. Estalos. Segundos. Gritos. O homem
correu para a geladeira vazia. O edifício veio abaixo.
Tragédia.