tag:blogger.com,1999:blog-6409450268655762532024-03-19T04:25:17.525-07:00Pasmatórios. m. Espaço público frequentado por desocupados.Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.comBlogger284125tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-31966141693210927062018-07-09T04:22:00.000-07:002018-07-09T04:22:43.897-07:00Reino ameaçado<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">O
novo <i>Jurassic World</i> só não é melhor
do que o <i>Park</i> original, clássico de Steven
Spielberg que devorou os nervos de plateias inteiras com sequências memoráveis
(como a do T-Rex deixando a jaula e a dos raptors na cozinha) e ainda inaugurou
A era dos efeitos especiais – os olhos fascinados de Alan Grant e Ellie Sattler
ao verem o primeiro dino eram os nossos.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj1XsHXTnmttN0gVO7C383LBPq6kfqPoeErxh4KV7uEsS1nXebz2b9FghselwONSBuOgQxUxIvVQtnYvJj-ReLOpp6eqcS6zVOseG01Xgme3LNalPBIGqmfemCXifi_BRaS_9df-H69xFU/s1600/Jurassic+World%252C+Fallen+kingdom+1.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="899" data-original-width="1600" height="178" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj1XsHXTnmttN0gVO7C383LBPq6kfqPoeErxh4KV7uEsS1nXebz2b9FghselwONSBuOgQxUxIvVQtnYvJj-ReLOpp6eqcS6zVOseG01Xgme3LNalPBIGqmfemCXifi_BRaS_9df-H69xFU/s320/Jurassic+World%252C+Fallen+kingdom+1.jpg" width="320" /></a><span style="font-family: inherit;">Aliás,
uma referência a essa cena é um dos ápices do filme de J. A. Bayona: enquanto o
barco se afasta da ilha Nublar e o vulcão a consome, assistimos a um braquiossauro
esquecido no píer; em meio à fumaça e ao desespero, ele se apoia sobre as patas
traseiras, num movimento que não só lembra o que extasiou Alan e Ellie no longa
de 1993, como ainda fecha um ciclo que faz bodas de prata. A rima visual aquece
o coração do jurassiquete mais do que qualquer erupção.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">O
diretor espanhol não poupa o espectador de sequências como essa, que
homenageiam em especial o primeiro capítulo da saga: destaque para aquela em
que Maisie (Isabella Sermon) se refugia num pequeno elevador do mesmo jeito que
Lex (Ariana Richards) num armário de cozinha, e aquela em que Owen (Chris
Pratt) e Claire (Bryce Dallas Howard) estão presos e ouvimos os acordes
melancólicos da trilha de John Williams.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Responsável
pelo fantasmagoricamente bom </span><i style="font-family: inherit;">O orfanato</i><span style="font-family: inherit;">,
Bayona também não poupa o espectador de seu gosto pelo terror, em cenas nas
quais a escuridão intermitente esconde/mostra o sauro ameaçador da vez, como na
sequência de abertura (enquanto a queda de energia impede a vítima de avistar
um antigo morador da ilha se aproximando, relâmpagos o revelam para o público)
e na que envolve outro dino faminto, dessa vez num túnel eventualmente
iluminado pela lava.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Se,
de um lado, a direção capricha na interação entre animais e bichos, digo,
humanos – graças ao uso apurado de seres digitais e animatrônicos –, de outro, o
roteiro capricha na interação entre enredo e temas politicamente relevantes,
como a empatia, a busca voraz por lucro e, tangencialmente, o papel do Estado
na sociedade.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Num
mundo em que o individualismo nos transforma em ilhas cada vez mais afastadas
umas das outras, os roteiristas Colin Trevorrow e Derek Connolly transformam a
raptor Blue no elo entre o passado e o futuro dos dinossauros, por ser a única
da espécie a ter desenvolvido a capacidade de se identificar com um outro diferente
dela (Owen, no caso) e de se sensibilizar com a vulnerabilidade alheia.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">A
empatia ainda se espalha por outra subtrama e é fundamental na decisão de certa
personagem sobre o destino dos animais recriados em laboratório – o que torna a
resolução no último ato mais consistente e orgânica, porque apoiada num mote
que vinha sendo elegantemente desenvolvido desde o início da projeção.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Já
a ganância de capitalistas como Eli Mills (Rafe Spall) – que os faz enxergar
seres vivos como meros produtos, capazes de encher até as prateleiras da
indústria armamentista – é claro sintoma de involução e, aparentemente, pode
levar à extinção da meia dúzia que concentra a mesma riqueza de bilhões. O desfecho
de determinado leilão deixa no ar essa possibilidade ao mandar pelos ares
vários figurantes, provocando uma breve catarse nos espectadores que têm alguma
consciência de classe.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">A
narrativa é permeada ainda pelas discussões no Congresso americano – das quais
participa o Dr. Ian Malcolm (Jeff Goldblum), em ponta especialíssima – a
respeito da possibilidade de o governo auxiliar ou não no resgate dos
dinossauros prestes a morrer na ilha. Os parlamentares acabam decidindo não
intervir na crise, já que os animais foram criados pela – e, portanto, são de
responsabilidade da – iniciativa privada.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">O
resultado dessa escolha temerária, felizmente podemos acompanhar na segurança
de uma sala escura. Ao acender das luzes e da realidade, porém, espera-se que saiamos
do cinema com a lição de que, se a vida não pode ser contida (como ensina o Dr.
Malcolm desde o primeiro </span><i style="font-family: inherit;">Jurassic</i><span style="font-family: inherit;">), a
ambição selvagem pode – e deve.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Ou o reino ameaçado a que o título faz alusão certamente não será o dos
nossos fósseis favoritos.</span></div>
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-85477757237568348342018-04-23T06:45:00.000-07:002018-04-23T06:45:18.394-07:00Um país na estrada<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">“Um
homem na estrada recomeça sua vida<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Sua
finalidade: a sua liberdade<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Que
foi perdida, subtraída<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">E
quer provar a si mesmo que realmente mudou<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Que
se recuperou e quer viver em paz<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Não
olhar para trás, dizer ao crime: nunca mais!”</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Os
versos de Mano Brown que o ex-presidiário</span><span style="font-family: inherit;"> Cristiano (Aristides de Sousa) canta a certa
altura de </span><i style="font-family: inherit;">Arábia</i><span style="font-family: inherit;"> podem até soar como
sinopse para o filme. Mas o longa escrito e dirigido por João Dumans e Affonso
Uchoa não se resume à história de um homem contada por ele mesmo num caderno
velho (descoberto por um adolescente que o lê) – o que vemos na tela é também a
história de um povo, é a história de um país.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg63VsqRt8Ef0WZDabcE_YUyEPTYDPWKTdNB4FTM_jhJOxS4d1kR60u429NRi8l1mgDKjK4KbTHmDWK79fLEMefDIf32Gwihw34T1ZVDuXt2oRItU0n6rmcyCbhn9mvG08OtalVJ9YjkR8/s1600/Ar%25C3%25A1bia%252C+cena+no+celeiro.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="428" data-original-width="853" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg63VsqRt8Ef0WZDabcE_YUyEPTYDPWKTdNB4FTM_jhJOxS4d1kR60u429NRi8l1mgDKjK4KbTHmDWK79fLEMefDIf32Gwihw34T1ZVDuXt2oRItU0n6rmcyCbhn9mvG08OtalVJ9YjkR8/s400/Ar%25C3%25A1bia%252C+cena+no+celeiro.jpg" width="400" /></a><span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Um país que não ganha o noticiário e é tão cheio de
nuances quanto o tecido que Cristiano manuseia na fábrica em que trabalha. Um
país que não estrela a novela e é tão eclético quanto a trilha sonora que reúne
– além do já citado rapper – Noel Rosa, Dorival Caymmi, Raul Seixas, Renato
Teixeira e até um representante do folk americano (</span><span style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; font-family: inherit;">Jackson
C. Frank).</span><span style="font-family: inherit;"> Um país,
portanto, que muito brasileiro desconhece e é povoado por milhões de outros
brasileiros que provam diariamente, com trabalho e desilusão, o quão cínico é
enaltecer a meritocracia num lugar em que as oportunidades são tão desiguais.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background-color: white; font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background-color: white; font-family: inherit;">Para quem não sabe, meritocracia é o discurso que
coloca toda a responsabilidade do sucesso ou fracasso nas costas do indivíduo, ignorando
a estrutura de poder construída e preservada para manter os privilégios de
poucos à custa dos direitos – subtraídos – de muitos. De tão fantasiosa, ela
parece um conto de Sherazade: se o cabra não enriqueceu, se não conseguiu ser
“alguém na vida”, é porque não deu duro, não se esforçou o suficiente, não
acordou tão cedo quanto deveria.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<i style="font-family: inherit;"><br /></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i style="font-family: inherit;">Arábia</i><span style="font-family: inherit;"> é um tapa na cara de quem
acredita nessa fábula das mil e uma noites. Um tapa com luva de operário.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background-color: white; font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background-color: white; font-family: inherit;">O duro cotidiano do personagem principal não
impede, porém, que Dumans e Uchoa vistam luva de pelica ao cuidar dos aspectos
estéticos de sua obra.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background-color: white; font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background-color: white; font-family: inherit;">Planos como o que observa o uniforme de Cristiano e
uma garrafa d’água, ou cenas como a do celeiro (na qual o protagonista negocia
com o dono de uma fazenda), são tão bem fotografados que só lhes faltam moldura
e parede. Como se não bastasse a beleza dos quadros, eles ainda funcionam como
sínteses do Brasil extremamente injusto retratado pelos cineastas. A tela de
natureza-morta revela que a vida de muitos brasileiros consiste apenas, na
melhor hipótese, em trabalho (o uniforme) e sobrevivência (a água). Já a
sequência no armazém desvenda o que os “economistas” da mídia hegemônica
costumam celebrar como “livre” negociação entre patrões e empregados: de um
lado, o proprietário com as máquinas e os frutos sob seus pés; de outro, o funcionário
sem nada (nem carteira assinada), em busca de umas caixas de mexerica para
vender na estrada; enquanto os dois negociam no interior do galpão (imerso em
sombras), a plantação verdeja lá fora tão ensolarada quanto o dia.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background-color: white; font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background-color: white; font-family: inherit;">É impossível não enxergar os contrastes do país no
contraste entre as imensas paredes escuras do depósito e a paisagem iluminada
que se vê pelo também imenso vão aberto.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mais contundente do que as imagens só mesmo a
narração em off que conduz o espectador por quase o filme inteiro. Permitir que
ouçamos o que Cristiano sente e pensa sobre sua trajetória talvez seja o maior
mérito do longa. Raras vezes é dado ao oprimido o lugar da fala – a chance de
narrar a própria história. E </span><i style="font-family: inherit;">Arábia</i><span style="font-family: inherit;"> não
só faz isso, como ainda leva essa experiência ao limite no último ato, ao
excluir a música e os sons diegéticos, conferindo à voz de Cristiano todo o
protagonismo.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background-color: white; font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="background-color: white; font-family: inherit;">Não deixa de ser significativo que essa passagem – que
coincide com o momento de epifania do rapaz, quando ele toma consciência de que
sempre viveu “no engano”, de que sempre foi tratado como mais um “cavalo
cansado” – aconteça em Ouro Preto, cidade mineira que um dia testemunhou um
movimento que se insurgiu contra a exploração e cujo lema era “liberdade ainda
que tardia”.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Significativo e tristemente irônico, já que a
liberdade para o trabalhador brasileiro – o destino de Cristiano sugere –
aparentemente só vem quando a vida se aposenta.</span></div>
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-57348715256563667222017-06-25T05:28:00.000-07:002017-06-25T05:28:09.349-07:00Jardins secretos<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">A
certa altura de <i>Um lugar chamado Notting
Hill</i>, Anna (Julia Roberts) e William (Hugh Grant) pulam a grade que protege
uma das tantas pracinhas fofas que entremeiam o bairro londrino e são
frequentadas apenas pelos moradores. A metáfora não é tão difícil de vencer quanto
a altura da cerca: o lugar é a imagem do desvio que um e outro fazem em suas
rotinas por um intervalo parnasianamente feliz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
</div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifnoJMWn9ujcNRDJawIMlnMYGi4Ys7yLiBz8ImzDYc-WSKmHAgCrSjmWCacs_-VNHDGBiRUqz9-9We84Cn3MGoVElVmKYQOMZ4THcuZ62hpyyM7bQjH6VBdqGkxFegrFeHF9G-8O7XdFs/s1600/Jardim+secreto%252C+Notting+Hill.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="768" data-original-width="1024" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifnoJMWn9ujcNRDJawIMlnMYGi4Ys7yLiBz8ImzDYc-WSKmHAgCrSjmWCacs_-VNHDGBiRUqz9-9We84Cn3MGoVElVmKYQOMZ4THcuZ62hpyyM7bQjH6VBdqGkxFegrFeHF9G-8O7XdFs/s320/Jardim+secreto%252C+Notting+Hill.jpg" width="320" /></a><span style="font-family: inherit;">A
gente bem sabe (ou deveria saber) que não existe alegria permanente. Você pode
ter casado com a metade da sua laranja e preparar aquele suco delicioso todo
dia. Pode morar na casa dos seus sonhos e repetir o lema da Dorothy sempre que
chega da rua. Pode ter o melhor trabalho do mundo, que você nem chama de
trabalho. Pode até – vou pegar pesado na utopia – viver num país liderado por
políticos honestos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
</div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">No
caso do filme, você pode viver num dos recantos mais charmosos de Londres ou ser
a estrela de cinema mais querida e bem paga do showbiz. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mas
nem cada uma dessas felicidades <i>mega-hiper-super-extra-large</i>
é capaz de imunizar os regulamentares 1.440 minutos diários contra a última denúncia
de corrupção; o último esquete daquele CQCista que confunde humor com misoginia;
a última liminar que garantiu velhos privilégios; o último atentado; as últimas
estatísticas sobre a desigualdade social no mundo; o último alerta dos
cientistas sobre o aquecimento global; a última entrevista do Trump; o último
boato viralizado pelos desinformantes de sempre; a última bala perdida; o
último piti do vizinho fascista (agora ele roga ver os netos de certo ex-presidente
espancados na escola); a última edição daquele jornal que espalha notícia falsa
na sexta e pede desculpas pela “imprecisão” no sábado, quando a audiência é bem
menor. Aff.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Antídotos
para esses e outros tantos dementadores? Só as pequenas veredas com as quais a
gente topa – ou que a gente abre na marra – enquanto zapeia o dia. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Pode
ser aquela comédia romântica que só você ainda não tinha visto (julguem este
cinéfilo desnaturado). Pode ser aquele Verissimo perdido no revisteiro da
salinha de espera da endocrinologista. Pode ser aquela bochecha de bebê
altamente apertável. Pode ser aquele burrito com ricota e brócolis, descoberto
na seção de congelados. Pode ser aquela loja de bugigangas nerds no caminho
para o banco. Pode ser aquele aviso de que a tão esperada encomenda chegou.
Pode ser aquela queda inesperada na cotação do dólar. Pode ser aquele
reencontro no ponto do ônibus depois de séculos. Pode ser aquela brisa
indecente que vem da padaria. Pode ser aquele gol comemorado com um abraçaço no
desconhecido ao lado. Pode ser aquela festinha improvisada com os amigos. Pode
ser aquele meme do qual a simples lembrança já faz o riso borrar as rugas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">Pode ser aquela hora em que você resolve dar um tempo no expediente e,
como fez Anna, bater à porta azul: em busca de um flash que não saia das câmeras
dos paparazzi.</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span>
<span style="font-family: inherit;"><i>P.S.: Por falar em dar um tempo, bato à porta azul das férias a partir de hoje. Volto só quando elas me expulsarem de seu jardim secreto. </i>😉</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt;"><i><br /></i></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-1819085278482513512017-06-18T05:02:00.000-07:002017-06-18T05:02:05.513-07:00Essa tal liberdade<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mais
fácil achar um brasileiro que votaria em Michel Temer ou Aécio Neves para
síndico de seu prédio do que um blockbuster em 2D na minha cidade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">A
quinta aventura de Jack Sparrow, a segunda dos Guardiões da Galáxia, a primeira
solo da Mulher-Maravilha – em todas acabei me rendendo àqueles óculos que deixam
qualquer um mais bonito se as luzes estiverem apagadas. Isso porque não havia
um Cineplex ou Kinomark na vizinhança que não oferecesse apenas as versões em
3D dos respectivos filmes. Coincidência? Que nada. O 3D, cujo ingresso é bem mais
caro, está deixando de ser opção para se tornar A ÚNICA opção. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiRPdld8r_GwLjBjMgCMKwMTT4UUPxPlkb6TMtaw9ashaBh5ZKS8SJPQvLimgJCOtJ0Hssa2mzw_ZPpLtencCK1BeHD09fnr_GWZAJJybgRsU4TOeqhha_K-H-jTEoi6JasvdEEuBFFxeI/s1600/M%25C3%25A3o+engaiolando+homem.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="799" data-original-width="764" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiRPdld8r_GwLjBjMgCMKwMTT4UUPxPlkb6TMtaw9ashaBh5ZKS8SJPQvLimgJCOtJ0Hssa2mzw_ZPpLtencCK1BeHD09fnr_GWZAJJybgRsU4TOeqhha_K-H-jTEoi6JasvdEEuBFFxeI/s320/M%25C3%25A3o+engaiolando+homem.jpg" width="305" /></a><span style="font-family: inherit;">–
Como é mesmo aquela história bonita de que, no capitalismo, reina a liberdade e
o consumidor é quem manda? – provoquei um velho amigo entre um <i>like</i> e outro. Não um velho amigo como os
outros, capazes de enxergar um golpe quando estão diante de um: ele assina a <i>Exame</i>, defende as reformas e acredita na
Miriam Leitão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">–
Você é livre para não ir ao cinema. Te obrigam a assistir ao filme em 3D? Se
não tem sessão em 2D, pode optar tranquilamente por <i>não assistir</i> ou <i>assistir em
3D</i>. A escolha é sua. A liberdade é plena dentro daquilo que existe. Lamento,
mas o mercado não se ajusta ao gosto de poucos. Talvez sua vontade não consiga
mudar nem um nem outro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">–
Ahã. Do mesmo jeito que sou livre para comer abobrinha sem agrotóxico. “Mas voci
podi escolhir entri <i>não comir</i> i <i>comir apenis orgâniquis</i>”, você dirá em
meio a caninos cerrados. E eu direi que esses produtos são beeeeem mais caros,
queridão – o que exclui a maioria das pessoas. O material da verdadeira
liberdade não é um <i>o-que-é</i> definido
pela injustiça do mundo, e sim um <i>o-que-deveria-ser</i>.
Você viu <i>O quarto de Jack</i>, não viu? Espalhar
por aí que “a liberdade é plena dentro daquilo que existe” é afirmar que o
menino era “livre” dentro dos limites daquele cubículo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Pasmem:
a discussão continuou noite adentro sem que ninguém xingasse a mãe ou apelasse
para insultos envolvendo coxinhas, mortadelas e demais partes da anatomia
humana. #Épossível<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Dela
(da discussão), não restaram mágoas: só olheiras e a impressão de que todos somos
um pouco Jacks, com nossas escolhas reduzidas pelo capitalismo, pelo mercado,
pela crise – o nome que se queira dar a esta sombra que está aí, aqui, em todo
lugar; que estava no metrô do dia seguinte, onde dois rapazes botavam trilha
sonora na viagem até serem retirados do vagão por seguranças. De repente me
lembrei dos músicos do Theatro Municipal carioca, que não recebem salários há
meses: impedidos de tocar no palco, é provável que também o fossem no trem. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Liberdade?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">A
palavrinha que já perseguiu personalidades como Pessoa (o Fernando) e Pires (o
Alexandre) me algemou de jeito. Mais tarde, dei com um grupo de seis ou sete
homens deixando um restaurante. Hora do almoço e, presumi, voltavam para a
senzala, digo, o trabalho. Certamente eram todos livres, independentes, donos
do próprio nariz: com aqueles sapatos sociais entre o black e o off-black; com
aquelas calças sociais entre o cinza e o plúmbeo; com aquelas camisas sociais
entre o rosa-salmão e o salmão-rosa – dobradas precisamente na mesma altura dos
braços.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Liberdade?!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Tio
Adorno já ensinava que “o consumidor não é soberano, como a indústria cultural
quer fazer crer; não é seu sujeito, mas seu objeto”. O Sistema não só alimenta
a ilusão de que inexiste um Arquiteto à la Matrix, que determina desejos e
sonhos de consumo; ele ainda recheia com os agrotóxicos da propaganda a
abobrinha de que nosso caminho é tão somente fruto de decisões individuais.
Longe disso. Qualquer querela sobre liberdade transborda e transcende o <i>aceito</i> ou <i>não aceito</i>, o <i>quero</i> ou <i>não quero</i>, o <i>assisto</i> ou <i>não assisto em 3D</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">Vai muito além de duas dimensões.</span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-42057914450792754542017-06-11T09:02:00.003-07:002017-06-11T09:02:51.213-07:00Casamento dos sonhos<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">À
procura de um minutinho de alienação (que não durou muito mais que esse
minutinho, o leitor vai ver), esbarrei no tal <i>Fábrica de casamentos</i>, que até então só conhecia dos intermináveis
comerciais do Discovery Home & Health. Foi um susto. Não com o programa em
si – no qual profissionais da área fazem em sete dias o que todo casal
minimamente sensato faz em pelo menos 365 –, mas com os noivos da vez, que
desejavam uma festa com samba e pagode, comida canadense, Cadillac cor de rosa,
passarela espelhada, bolo de quinze andares e... neve.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><i>Que mixórdia</i> também foram as
primeiras palavras que vieram à minha cabeça. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjhOMOdTtoexrhL_1MmrMBMkWCAPaVnOrrAs5kwcnsnOq8lzdwYyEFGOaEw4RaG4AwLBDv28SssNs0-SY61VPiCniudVhloFwmHra7GTyAfRMAv7WXXPp7BeN7r55Pu5IWLUMTHu3yjeMU/s1600/Bolo+cora%25C3%25A7%25C3%25B5es+coloridos.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="1600" data-original-width="1120" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjhOMOdTtoexrhL_1MmrMBMkWCAPaVnOrrAs5kwcnsnOq8lzdwYyEFGOaEw4RaG4AwLBDv28SssNs0-SY61VPiCniudVhloFwmHra7GTyAfRMAv7WXXPp7BeN7r55Pu5IWLUMTHu3yjeMU/s320/Bolo+cora%25C3%25A7%25C3%25B5es+coloridos.jpg" width="224" /></a><span style="font-family: inherit;">Explicando
os itens: a neve e a comida canadense eram referências a uma viagem pela terra
natal de Celine Dion; o Cadillac cor de rosa, à lembrança de um carrinho que a
noiva teve na infância; os quinze andares do bolo, aos anos de namoro; o samba
e pagode eram gosto mesmo, então não se discute; já a passarela espelhada não
tinha causa, motivo, razão ou circunstância plausível – a não ser o desejo de
entrar para o <i>Guinness</i> na
disputadíssima categoria das festas mais cafonas <i>ever</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Para
a minha surpresa, no entanto, o que prometia ser o Oscar dos casórios – só que
sem a Meryl Streep para dar alguma dignidade – se mostrou incrivelmente harmonioso
no fim (no começo e no meio também). Do cardápio ao buquê, passando pela trilha
sonora, a decoração e o bolo arranha-céu, tudo refletia com tanta coerência e
coesão a história dos noivos, que nem a passarela espelhada foi capaz de
ofuscá-los.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Pensando
bem, de equipes como a que organizou essa cerimônia é que o Brasil anda precisando.
Um time de experts que consiga (ou pelo menos nos inspire a) reunir nossas
diferenças, misturá-las num bufê e promover uma festança na qual todos se
divirtam, e não somente os que têm lugar reservado perto da mesa de doces – e acreditam
que “não dar certo na vida” é ser ambulante, gari ou o garçom que lhes serve os
canapés.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Até
quando vamos distribuir convites apenas para os cúmplices? Até quando vamos
estimular desquites ancestrais e aprofundar ainda mais os abismos que há entre
nós? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Até
quando vamos apoiar planos econômicos que tiram direitos dos que têm menos e
preservam privilégios dos que têm (muito) mais? até quando vamos fingir que a
luta de classes é um conceito perdido num livro de História? até quando vamos
admitir o extermínio diário de jovens negros? até quando vamos tolerar quem usa
sua audiência para vomitar misoginia, racismo e homofobia disfarçados de humor
e liberdade de expressão? até quando vamos reprovar uma escola aberta a temas
como identidade de gênero e orientação sexual? até quando vamos defender que a
violência seja o remédio para curar dependentes químicos? até quando vamos consentir
que arbitrariedades sejam cometidas só porque atingem pessoas de quem não
gostamos – ou que simplesmente não conhecemos? até quando vamos engolir uma
narrativa que nos reduz aos <i>vips</i>
cidadãos de bem <i>versus</i> bandidos,
cracudos, preguiçosos, vagabundos, vândalos e afins?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Até
o dia em que a separação de corpos e bens for irreversível; o divórcio, inevitável;
e a reconciliação, uma lua de mel impossível? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">Já passou da hora de os brasileiros enfim assumirmos um compromisso
sério – e trocarmos alianças – com o país do futuro que tanto azaramos nos
últimos cinco séculos.</span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-6509014097670666982017-06-04T04:59:00.000-07:002017-06-04T05:30:19.903-07:00Orçamentos<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Uma
das lições mais valiosas que aprendi com meu pai, craque das contas e descontos,
foi jamais guardar o que sobrasse do salário. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Calma,
não o interpretem mal – que ele não me ensinou a viver cigarramente. A ideia
era formiguinhamente o contrário: guardar sempre uma fração dos vencimentos –
por menor que fosse – e passar o mês com o resto. Essa poupança compulsória
serviria para emergências e sonhos. Nota de esclarecimento: emergências, às
vezes, são sonhos que andam com pressa de sair do papel, como férias no Japão (com
direito à Disney de lá), uma festinha anos-oitenta pra comemorar o níver de
casamento ou aquela repaginada no apê. Tal definição de “emergências”, porém, só
existe no meu dicionário. Nada a ver com o manual paterno de finanças, fique
claro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgw8FZ63Whqa8U-byqA01_fbon_FakPHh9JFuLzHhAe9pn7pyWAx6UtPuJj0-79Xbbpg3MrBj3xx4mVNX3e6GULxBHiZfcFux39o59mNmykJX3C0J8ZzfaPkoJ3Er2dl5mzFsYcnZ6LTH8/s1600/Porquinho.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="177" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgw8FZ63Whqa8U-byqA01_fbon_FakPHh9JFuLzHhAe9pn7pyWAx6UtPuJj0-79Xbbpg3MrBj3xx4mVNX3e6GULxBHiZfcFux39o59mNmykJX3C0J8ZzfaPkoJ3Er2dl5mzFsYcnZ6LTH8/s320/Porquinho.jpg" width="320" /></a><span style="font-family: inherit;">Um
parêntese inadiável: (de repente, descobrimos que separar parte do que se ganha
para emergências não é lição seguida apenas nos orçamentos domésticos mais
prudentes. Grandes empresas brasileiras fazem o mesmo há décadas. Só que, no
dicionário delas, “emergências” significam “milhões em propinas”. E depois seus
donos ainda vêm dizer que os direitos dos empregados é que pesam no orçamento. Ah,
tá).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mas
não é desse tipo de orçamento – ou daquele que inclui água, luz, telefone e
sertralina – que eu quero falar. A matemática hoje é outra.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Quanto
do seu dia você reserva para aquele livro que continua solteiro na estante? para
aquela receita de ceviche que você viu no <i>Masterchef</i>? para aquelas fotos de mil novecentos e balão mágico que
prometeu digitalizar? para aquele sol na varanda rico em vitamina D? para
aquela mensagem de aniversário que vá além do parabéns-muita-saúde-tudo-de-bom?
para aquele beijo que te deixa sem fôlego e com vontade de recuperá-lo só para
perdê-lo de novo? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Quanto
da sua semana você reserva para o filme que estreou na última quinta? para a
corridinha no calçadão ao som de “Eye of the tiger”? para as happy-hours com aqueles
amigos que te fazem rir mais do que qualquer astro do stand-up (e nem te cobram
um rim por isso)? para os textos do amigo comuna-petralha-esquerdopata-defensor-de-bandido
que vão te ajudar a interpretar as entrelinhas dos jornalões?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Quanto
dos seus anos você reserva para viajar até a cidadezinha onde nasceu Guimarães
Rosa? para conhecer a vinícola onde há de tomar seu melhor porre? para se
perder na floresta onde reina o maior cajueiro do mundo? para flanar o bairro
onde mora Amélie? para sentar no banquinho onde a Mafalda tira foto com seus
leitores? para jantar no castelo onde vive a Cinderela? para dançar no bar onde
os Beatles tocaram juntos pela primeira vez? para saborear um pastel de nata no
café onde Pessoa batia ponto e poesia? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">A vida não pode ser o que sobra – mas o que de antemão cada um de nós
guarda para jamais ficar em déficit consigo mesmo.</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-72216027746821348252017-05-28T06:24:00.000-07:002017-05-28T06:48:49.396-07:00“Ain! Você só fala de política!”<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Como
passar um dia inteiro discutindo se Taís Araújo deveria ou não ter aceitado a
abóbora oferecida por Ana Maria Braga (a atriz detesta o fruto da aboboreira),
enquanto ainda há tantos trabalhadores país afora – iludidos pela propaganda do
“governo” e da mídia corporativa – defendendo reformas que só interessam a seus
patrões? enquanto ainda há tantos assalariados ignorando o simples fato de que menos
salário e benefícios para o empregado significa tão somente mais lucro para o
empregador?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQR6vy7Jg_A3cWM9UWMKpIEEzzmJe2NqZN17ur8rf5jQlf1TEaNosPVv0vUfjGtPuENbB9R8OZsbmiG8hG_J0KJxuz5uaSR78MjzGwj73GwWVRW2UEZieWByQPsZ6cS9XakaimYKjotpI/s1600/Fora-Temer-diretas-Ja.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="400" data-original-width="587" height="218" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQR6vy7Jg_A3cWM9UWMKpIEEzzmJe2NqZN17ur8rf5jQlf1TEaNosPVv0vUfjGtPuENbB9R8OZsbmiG8hG_J0KJxuz5uaSR78MjzGwj73GwWVRW2UEZieWByQPsZ6cS9XakaimYKjotpI/s320/Fora-Temer-diretas-Ja.jpg" width="320" /></a><span style="font-family: inherit;">Como
passar um dia inteiro discutindo se quem possui um cãozinho de estimação também
tem o direito de comemorar o Dia das Mães, enquanto “cidadãos de bem” aplaudem
o prefeito da maior cidade da América do Sul (que já invadiu terreno público e
o anexou a propriedade sua) por desalojar de ruínas abandonadas dependentes
químicos, fechar estabelecimentos comerciais e impedir que os donos retirem de
lá seus pertences e produtos – ações truculentas e espetaculares que repetem antigas
ações truculentas e espetaculares que só resultaram em novas cracolândias? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Como
passar um dia inteiro discutindo se Fulaneide ou Beltranílson vão deixar a casa
mais vigiada do Brasil (não estou falando do Alvorada), enquanto parte
considerável da população vê numa intervenção militar a solução para a crise
política que a nação atravessa, como se a História já não tivesse mostrado que
recorrer a atalhos antidemocráticos – especialmente pavimentados pelas Forças
Armadas – invariavelmente termina em repressão ao pensamento divergente, em
censura à imprensa e às artes, em tortura (inclusive física) de pessoas, além
de – xeu te contar um segredo – não acabar com a famigerada corrupção?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Como
passar um dia inteiro discutindo se a falta foi dentro ou fora da área, enquanto
a amiga dos tempos de colégio (particular) insiste que negros não deixam as
favelas, não ocupam mais cargos de chefia ou não têm tantos papéis principais
na tevê porque não se esforçam o suficiente? enquanto o colega dos tempos de
curso de inglês (e excursão à Disney) não enxerga que o ponto de partida é “ligeiramente”
mais atrás quando você vive num lugar abandonado pelo Estado e dominado por
bandidos, quando você estuda em escolas nas quais falta até papel higiênico,
quando você é seguido pelo segurança – só por causa da cor da pele – assim que
entra nas Lojas Americanas?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Como
passar um dia inteiro discutindo se o vestido é branco e dourado ou azul e
preto, enquanto o vizinho desperdiça todo o seu choro e ranger de dentes com a
vidraça estilhaçada de um banco – banco, aliás, que não só continua batendo
recordes de lucro apesar da recessão econômica, como ainda vê perdoada uma dívida
de bilhões com a Receita Federal – e, ao mesmo tempo, ignora os seres humanos
que têm sua vida estilhaçada por um sistema econômico que prioriza as coisas e
despreza os corpos?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Como
passar um dia inteiro discutindo se o coala é mais fofo do que o panda,
enquanto a justiça (com minúscula mesmo) condena quem rouba ovos de Páscoa e absolve
quem lava e evade milhões? enquanto temas como identidade de gênero e orientação
sexual são retirados dos currículos escolares? enquanto se cancela a gratuidade
no transporte público para milhares de estudantes? enquanto são fechadas
centenas de farmácias que disponibilizam medicamentos mais baratos aos cidadãos
de baixa renda? enquanto se cogita pagar o trabalhador rural não mais com
salário, mas com casa e comida? enquanto servidores de uma das principais
universidades do país e funcionários do Teatro Municipal da #CidadeOlímpica
continuam sem receber salários em dia? enquanto cresce o número de moradores de
rua nas esquinas brasileiras? enquanto testemunhamos os mais vulneráveis
pagarem a conta de uma crise sobre a qual eles não têm responsabilidade?
enquanto a democracia – que não existe sem POVO, e não sem “ordem”, como
afirmou certo “ministro” – escorre pelos ralos da barbárie capitalista? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">Como?...</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-24254425544507702142017-05-21T18:40:00.000-07:002017-05-21T18:51:13.740-07:00Animais carnívoros<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Se
as últimas delações serviram para alguma coisa até agora, foi pôr fim à lenda
urbana e rural de que a Friboi é do filho do Lula. Ficou claro que quem manda
no país, digo, na companhia é a dupla Joesley e Wesley – assim como ficou claro
que o sertanejo nutella, vulgo “universitário”, envenenou os ouvidos brasileiros
de tal modo que eles passaram a acreditar em todo tipo de lorotas, até nas que
não são contadas no <i>Jornal Nacional</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEign5z38AUjb6tBT1lYlXLnQdk0Pk2LIH7ExVwtI6lWWHABj1MuY30IGvdWjBwWNmG8kkws2995FCxv8vBQcUz115OPrkK9bJkiy3RL4MoHmAm6Kp_Hqkc0o_5i3HNU7Dw1v0ePECqpaDQ/s1600/Tubar%25C3%25A3o.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEign5z38AUjb6tBT1lYlXLnQdk0Pk2LIH7ExVwtI6lWWHABj1MuY30IGvdWjBwWNmG8kkws2995FCxv8vBQcUz115OPrkK9bJkiy3RL4MoHmAm6Kp_Hqkc0o_5i3HNU7Dw1v0ePECqpaDQ/s320/Tubar%25C3%25A3o.jpg" style="cursor: move;" width="320" /></a><span style="font-family: inherit;">Outro
mito derrubado é o de que bilionários se fazem apenas com trabalho duro e despertador
programado para tocar às cinco. Calma, friboizetes: ninguém duvida de que os
irmãos Batista tenham seus méritos. Ninguém duvida de que tenham se
empenhado em estudar o mercado e buscar oportunidades de lucro. Ninguém duvida de
que trocaram inúmeras noites em suas camas quentinhas por madrugadas no
frigorífico para se tornarem donos da maior produtora de carne do planeta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Ao
mesmo tempo, porém, não dá para duvidar de que os manos só acumularam tantos
bilhões graças ao auxílio generoso do Estado brasileiro. O BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) emprestou milhões à JBS para
que adquirisse concorrentes, incrementasse sua expansão internacional e se tornasse
a multinacional que é hoje. Se não fosse esse Carne Sem Fronteiras, nem
saberíamos quem são Joesley e Wesley – ainda estaríamos falando de Maiara e
Maraísa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">O
noticiário da semana contou e recontou esse <i>case</i>
de sucesso do capitalismo de compadrio – aquele em que o êxito do negócio depende
das estreitas relações entre empresários que financiam campanhas eleitorais e
políticos que legislam a favor de seus patrocinadores – como se estivesse
diante da última picanha do churrasco; quase como se essa fosse uma prática
inventada pelos governos petistas e materializada por Temer no já célebre
encontro com Joesley no Jaburu, em que o ex-deputado Eduardo Cunha
aparentemente era (tem gosto pra tudo) o prato principal.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Chega
a ser um deboche uma das empresas que mais se beneficiaram da intimidade com o Estado
para se tornar a número um em seu ramo no Brasil (e a número dois ou três no
mundo) criticar quaisquer relações nebulosas entre iniciativa privada e poder
público. Quem foi além do sumário nos livros de História sabe que a Globo apoiou
o regime militar a ponto de, no dia seguinte ao golpe, em 2 de abril de 1964,
celebrar em seu diário de papel o restabelecimento da... democracia. A lua de
mel entre Marinhos e milicos se estendeu por tanto tempo que, oito anos depois,
o então presidente Emílio Garrastazu Médici afirmou que se sentia feliz ao ver no
telejornal apresentado por Cid Moreira que “o mundo estava um caos, mas o
Brasil estava em paz”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">É
óbvio que tanto plim-plim rendeu muito dindim: que veio na forma da instalação
de um sistema nacional de torres de televisão bancada pelo governo; da
associação entre a emissora carioca e emissoras espalhadas pelo país, muitas
delas pertencentes a políticos locais aliados dos militares; de linhas de
crédito para qualquer cidadão comprar um aparelho de tevê sem juros. Até um
concorrente poderoso – a TV Excelsior, cujo proprietário apoiava abertamente o
presidente João Goulart, deposto pelas Forças Armadas – passou a sofrer
retaliações financeiras e fechou as portas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Era
a chuva de arroz perfeita: de um lado, os generais querendo uma rede de comunicação
que atingisse o país inteiro e ajudasse a livrá-lo da “ameaça comunista” (também
conhecida como “todo pensamento que estimulasse desejo de justiça social”); de
outro, um grupo empresarial disposto a fazer os acordos que fossem necessários
para alcançar o topo da cadeia alimentar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Qualquer
semelhança com as tenebrosas alianças entre agentes públicos e privados flagradas
recentemente não é mera coincidência.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">Então cuidado quando ouvir por aí que aquele sujeito na capa da <i>Época Negócios</i> se deu bem na vida só
porque se esforçou mais do que você; ou que a solução para uma crise política
como a atual não passa por eleições diretas e, portanto, pela participação popular:
a carne no espeto – prestes a ser devorada – pode ser a sua.</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-1110633789880912432017-05-14T07:09:00.000-07:002017-05-14T07:49:01.144-07:00Mãe,<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
acorda.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
desamarrou.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
não alcanço.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjmymQj1o2xYGflrbOXOW5wRJJ2H7xBTEXo2-8dYK5fWiR9DzmoSJ2M3MlfEGWK3SP4fwYH6ygQdfg9S2sYS-8nhGOhB9v2WJrW3aK6vQRLWekrPA0vpL0YoiixgvfDwRdcJPh0mMwtR20/s1600/M%25C3%25A3e+e+filho1.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjmymQj1o2xYGflrbOXOW5wRJJ2H7xBTEXo2-8dYK5fWiR9DzmoSJ2M3MlfEGWK3SP4fwYH6ygQdfg9S2sYS-8nhGOhB9v2WJrW3aK6vQRLWekrPA0vpL0YoiixgvfDwRdcJPh0mMwtR20/s400/M%25C3%25A3e+e+filho1.jpg" width="400" /></a><span style="font-family: inherit;">Mãe,
empurra.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
segura. Mãe, me segura.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
me ajuda.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
quero mais. Mãe, quero mais não.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
já escovei.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
é a sua vez.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
machucou.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
dói.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
aperta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
devagar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
arde.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
assopra.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Falei,
mãe, falei com as visitas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
eu juro, eu prometo, eu não faço mais isso.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
me escuta. Mãe, tô escutando.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Já,
mãe, já tomei o remédio.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Já,
mãe, já fechei a janela.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
estudei.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
passei.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
não consegui.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
dá outra chance.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
como faz?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mas,
mãe, por quê?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
fica.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
me deixa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
espera. Mãe, precisa esperar não.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
ficou bom?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
menos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
o presente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
amei.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
odiei.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
surpresa!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
gostou?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
olha. Mãe, não olha. Mãe, tá todo mundo olhando.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Usei,
mãe, usei. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
não conta nada pro papai.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
deu certo. Mãe, deu tudo errado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
me erra. Mãe, cê tava certa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Sei,
mãe, o casaco. O guarda-chuva. O filtro solar. Os documentos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
funcionou.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
bem que você dizia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Agradeci,
mãe, agradeci.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
respira.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
relaxa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
confia em mim.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
esquece. Mãe, esqueci.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
me lembra.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
me desculpa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
eu sei me virar. Mãe, não sei virar a massa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
me ensina.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
te ajudo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
tem cena pós-créditos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
só hoje é a terceira montanha-russa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
já leu o texto da Martha? Li, mãe, o texto da Martha.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
desliga. Mãe, se liga.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
é mais pra esquerda.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
te ensino.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
presta atenção.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
conectou? Então clica, mãe, então clica.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
vai descansar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
eu alcanço.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
eu empurro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
eu seguro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">O
remédio, mãe, tomou?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">A
janela, mãe, fechou?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
tá uma delícia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
tá muito salgado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
eu detesto azeitonas. Desde quando? Desde sempre.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
obrigado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mãe,
feliz Dia das Mães.<o:p></o:p></span></div>
<span style="font-family: inherit;">Mãe, cabei.</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-7174217009693092962017-05-07T04:32:00.000-07:002017-05-07T04:32:37.271-07:00Corações famintos<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">De
um lado, meia dúzia de famílias bem nutridas e fortemente armadas (inclusive de
medo). De outro, multidões de famintos jogadas à própria sorte. No meio, um
muro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">O
leitor exausto do noticiário não precisa se preocupar: não vou falar da crise
dos refugiados na Europa, nem do edifício que o pato Donald quer levantar entre
os Estados Unidos e o México. Também não vou dar pitaco nas tretas entre os moradores
daquele condomínio de luxo e da favela ao lado. O assunto de hoje é um filme de
zumbi. Isso: aquele subgênero cinematográfico que mistura gente (quase) morta e
apocalipse.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjV6dc6a_TmuYzXeowYKH06gxIHZJBtzpQnXMPPC9OjBxCoIB0ksj374VjADy9DaAt26hNncvooUXvHRc3UZgKOykNFDWOQNuuwlYoxC3vpUNfnSg2wP9kXk_KoD-k8wY0rUIfm0fQbvnU/s1600/Meu+namorado+%25C3%25A9+um+zumbi%2527.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjV6dc6a_TmuYzXeowYKH06gxIHZJBtzpQnXMPPC9OjBxCoIB0ksj374VjADy9DaAt26hNncvooUXvHRc3UZgKOykNFDWOQNuuwlYoxC3vpUNfnSg2wP9kXk_KoD-k8wY0rUIfm0fQbvnU/s400/Meu+namorado+%25C3%25A9+um+zumbi%2527.jpg" width="263" /></a><span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">A
distopia nunca lembrou tanto a realidade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Escrito
e dirigido por Jonathan Levine – baseado no romance de Isaac Marion –, <i>Meu namorado é um zumbi</i> (<i>Warm bodies</i>, 2013) conta a história de
amor proibido entre o morto-vivo R (Nicholas Hoult) e a moça viva Julie (Teresa
Palmer). Qualquer semelhança com a famosa peça de Shakespeare não é mera
coincidência: até a clássica cena do balcão, em que Romeu vai ao encontro de Julieta
– arriscando-se a ser descoberto pelos familiares dela – é aqui ressuscitada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Pode
soar improvável, mas o fato é que a soma das duas tragédias – a que vitimou os
apaixonados na obra do Bardo e a que mergulhou o mundo no armagedom – resulta
numa das comédias mais românticas a que já assisti. Mérito de um roteiro que, nos
minutos iniciais, faz o espectador devorar as vísceras existenciais de R. Por
meio de uma bem-humorada narração em off, ouvimos o próprio cadáver dizer o
quanto se sente solitário, o quanto quer se aproximar das pessoas, o quanto
deseja se conectar a elas – sentimentos que qualquer um de nós já experimentou.
Afora o detalhezinhoinho de ele estar morto e o público, vivo, a identificação
é imediata. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Amenizam
ainda o aroma de carne vencida as canções pop que comentam algumas sequências,
como “Hungry heart”, de Bruce Springsteen (o título é autoexplicativo), e “Patience”,
dos Guns’n’Roses, cujo verso “If I can’t have you right now, I’ll wait, dear”
ecoa o que R pensa enquanto vela o sono de sua amada. Além desses hits – que
não estão ali só para vender a trilha na Amazon, mas também para ajudar a contar
a história –, tiradas como o “You are hot” dito pela melhor amiga de Julie (ao ver
maquiado o frio-mas-galã defunto) contribuem para suavizar o climão de fim dos
tempos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Tantas
fofices, porém, não atrapalham aquilo que faz do filme de Levine um digno representante
do legado de George A. Romero, cineasta que há quase meio século lançou <i>A noite dos mortos-vivos</i> (<i>Night of the living dead</i>, 1968). Como
bom herdeiro dessa tradição, <i>Meu namorado
é um zumbi</i> também se alimenta das entranhas de uma narrativa fantástica
para digerir a época em que está inserido. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">E
não só a descrição que abre este texto comprova isso.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">É
também ilustrativa, nesse sentido, a cena em que R observa centenas de mortos que
– por motivos óbvios – não interagem com quem está ao redor. De repente ele
sente saudade de quando, no mesmo espaço, observava centenas de vivos que – por
motivos de eu-não-largo-meu-smartphone-nem-morto – não interagiam com quem
estava ao redor.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Outro
vestígio de que estamos diante de uma obra atenta aos temas relevantes de seu
tempo é que um dos sintomas de que os finados (spoiler! spoiler!) aos poucos
recuperam os batimentos cardíacos tange a comunicação (ou a falta dela): os
grunhidos são substituídos paulatinamente por palavras e frases. Quem duvida de
que esse elogio à capacidade de se expressar e de se relacionar com o outro – um
sinal da reinserção dos zumbis não só na sociedade, mas na própria humanidade –
é uma crítica a esta era na qual as pessoas mal se escutam e se entendem, na
qual o “diálogo” muitas vezes se resume a uma troca de figurinhas rupestres no
WhatsApp?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Ao
reunir essas e outras metáforas – como o casaco vermelho de R ou o sangue que
se espalha na água após um tiro, ambos provas de vida –, <i>Meu namorado é um zumbi</i> transforma sua hora e meia de horror doce
em alegoria de um mundo que, mesmo após uma História de tantos totalitarismos,
ainda não se decidiu entre a intolerância e a fraternidade, que insiste em
continuar errando nesse entrelugar, como o saguão do aeroporto em que residem
vários dos <i>walking deads</i> mostrados no
longa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<span style="font-family: inherit;">Sorte do planeta que, no filme, existia alguém para quem cérebro não era
apenas sobremesa: um sujeito que preservou a fome de viver – que, ao salvar
certa personagem e levá-la até o avião onde morava, implodiu um primeiro muro
entre mortos e vivos, decolando ali uma (R)evolução da espécie.</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-39545270042803273272017-04-30T05:44:00.000-07:002017-04-30T05:44:42.543-07:00Confira comigo no replay<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">E
finalmente chega o dia em que seu filhote, acostumado a ouvir histórias antes
de dormir, cisma com a mais eletrizante <i>ever</i>:
a de um elefantinho ameaçado de não participar de um concerto na selva por ter
entupido a tromba ao sugar algo. Ai de você se se recusar a contá-la de novo. E
de novo. E de novo, de novo, de novo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEip0VrDgmxSE-ifT1ZJcvhHANj9oU_zJYD9Ft7wUCi7qA37gN3bUQd7N8yQosYwSoMmWWTBmfO_zpRdbZNTBPs7Hj1rSrOR0UEbJrE3IX5gAfKL4vfWujj9W7aKz4EXMsBk1-AXRmWKpSQ/s1600/Replay%252C+Youtube.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="231" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEip0VrDgmxSE-ifT1ZJcvhHANj9oU_zJYD9Ft7wUCi7qA37gN3bUQd7N8yQosYwSoMmWWTBmfO_zpRdbZNTBPs7Hj1rSrOR0UEbJrE3IX5gAfKL4vfWujj9W7aKz4EXMsBk1-AXRmWKpSQ/s320/Replay%252C+Youtube.jpg" width="320" /></a><span style="font-family: inherit;">Paciência
– recomenda uma amiga pós-graduada em infâncias. O que parece sem sentido para
o adulto, ela continua, é imprescindível para o desenvolvimento emocional e
intelectual da criança. A repetição não só propicia a ligação afetiva dela com
o mundo, como também facilita sua aprendizagem. É supernormal, portanto, que pequenas
e pequenos queiram escutar uma mesma história mil e uma vezes.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">É
como se estivessem digerindo (bem) aos poucos um alimento novo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Essa
explicação me fez voltar no tempo; aos anos oitenta, para ser mais preciso.
Lembro que, ainda menino, assisti muito – mas muito mesmo – a um filme chamado <i>Santa Claus: a verdadeira história de Papai
Noel</i>. O pobre do videocassete era coagido a engolir diariamente aquela
gravação de algum <i>Cinema em casa</i> do
SBT. Não sei como a fita (e minha mãe, quase sempre comigo) resistiu a tantas
sessões.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Também
não sei o que eu buscava elaborar dentro de mim que exigia reprise em cima de
reprise: que só na ficção velhinhos são imortais? que só no cinema renas voam?
que só na fantasia elfos existem? que só em sonho crianças do mundo inteiro,
das mais ricas às mais pobres, ganham brinquedos – e brinquedos do mesmíssimo
fabricante – na noite de Natal? que só num delírio hollywoodiano megaempresários
inescrupulosos como B. Z. (John Lithgow) vivem infelizes para sempre?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Outra
pergunta que requer a opinião de um especialista: por que certos repetecos vencem
a infância e alcançam a chamada maturidade? Exemplo disso é que até hoje paro o
que estiver fazendo quando ouço a musiquinha “Lá vem o Chaves, Chaves, Chaves,
todos atentos olhando pra tevê...” – e revejo o mesmo episódio pela enésima
vez. Será meu cérebro ainda downloadiando o conceito de bola quadrada?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Ainda
hei de achar um doutor que me ajude a encontrar respostas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mas
respostas não só para minhas obsessões por filmes natalinos e seriados
mexicanos – que essas são individuais e inofensivas. O que me joga mesmo no
divã, hoje em dia, é tentar entender a razão da crescente tara coletiva em
querer pôr no <i>repeat</i> os piores capítulos
da História, em querer rebobinar tempos que invariavelmente começaram com intolerância
e acabaram em holocausto; tempos sombrios, protagonizados por grandes empreiteiros
do ódio, líderes boquirrotos cujos discursos serviram (ainda servem) apenas
para cimentar muros entre mulheres e homens, gays e héteros, negros e brancos,
não cristãos e cristãos, imigrantes e nativos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Haverá
terapia para os marmanjos que não superaram a fase da repetição e, por isso, teimam
em espalhar que vale a pena ver de novo o que de mais nefasto a mente humana já
produziu? Ou todos nós seremos obrigados – por causa desses seres birrentos e malcriados
– a revisitar tragédias que não merecem remake?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">O concerto na selva – de que todo bicho participa, independentemente da
espécie – não pode ser cancelado porque um ou outro integrante da manada
entupiu a tromba ao aspirar entulhos de preconceito. Que ela seja desobstruída
logo e se oxigene de conhecimento, ainda a tempo de a humanidade evitar mais
uma repetência.</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-34071982640606554872017-04-23T08:00:00.000-07:002017-04-23T08:00:54.248-07:00Nove verdades e uma mentira<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">1)
É. Não resisti. Mas o leitor não se preocupe, que não vou submetê-lo a
confissões do tipo “Já fiz a coreografia de ‘Ilariê’, da Xuxa, em frente a uma
centena de pessoas”. Resolvi compartilhar verdades incomparavelmente mais relevantes
que essa – e infinitamente mais constrangedoras para qualquer um que tente
desmenti-las. Vamos a elas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiU-J9TALZL-nByd6XXbBbkFJ0O1CcwABOklknp2MTjv4dNM66LALRc68Qx5HHikQIh6fjT31o87zqC-y_ls1jOCiPyfgx7wNLgDzcTaBIy9IKsE6LvzWP_HDU8q_EDjSRGszhCS8LV8Bg/s1600/Exce%25C3%25A7%25C3%25A3o2.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="212" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiU-J9TALZL-nByd6XXbBbkFJ0O1CcwABOklknp2MTjv4dNM66LALRc68Qx5HHikQIh6fjT31o87zqC-y_ls1jOCiPyfgx7wNLgDzcTaBIy9IKsE6LvzWP_HDU8q_EDjSRGszhCS8LV8Bg/s320/Exce%25C3%25A7%25C3%25A3o2.jpg" width="320" /></a><span style="font-family: inherit;">2)
Uma reforma da Previdência que faz a aposentadoria virar um sonho mais distante
do que casar com a Beyoncé (ou o George Clooney) e dar a festa num iate à beira
do Mediterrâneo não quer de fato salvar a Previdência. Logo o sujeito vai se
dar conta de que é melhor não entrar no sistema (e continuar na informalidade)
do que começar a pagar por um benefício de que mal usufruirá. Talvez ele até
contrate uma previdência privada e faça a alegria de Marcelo Caetano – secretário
da Previdência, um dos idealizadores da reforma e membro do conselho de
administração da Brasilprev, empresa de previdência privada – ou o gáudio de
Arthur Maia – que é relator da reforma na Câmara dos Deputados e recebeu duas
doações da Bradesco Vida e Previdência nas eleições de 2014, totalizando 299
mil e 972 reais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">3)
Não é a CLT ou a Justiça do Trabalho que dificultam a geração de empregos, como
querem nos fazer crer os defensores da reforma trabalhista, cujo objetivo maior
é autorizar que o negociado entre patrões e empregados prevaleça sobre as leis
vigentes. Se fosse assim, não teríamos experimentado – há míseros três anos –
taxas de desemprego que não chegavam a 5%; a CLT e a Justiça do Trabalho estavam
no mesmo lugar e não impediam as contratações. O que impossibilita a criação de
vagas é a falta de demanda. E a demanda só vai desfaltar quando o povo tiver
dinheiro no bolso novamente – o que nos leva à próxima verdade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">4)
A terceirização sem restrições do mercado de trabalho (inclusive das chamadas
atividades-fim, isto é, os professores numa escola ou os médicos num hospital) apenas
diminui o poder aquisitivo da população. Vários estudos sobre o tema mostram
que os funcionários terceirizados ganham, em média, 24% menos que os formais,
mesmo trabalhando, em média, três horas a mais. Como é possível uma economia voltar
a crescer se as pessoas empobrecem e limitam seu consumo?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">5)
O patrão não passa a contratar mais porque o empregado custa menos. Caso a fila
do Méquidônis não espiche – e a procura por mais hambúrgueres não o pressione a
admitir mais cozinheiros e atendentes –, ele vai tão somente embolsar o
dinheiro a mais, fruto dos encargos trabalhistas a menos. Se não fosse desse
jeito, grandes empresas teriam investido os recursos de inúmeras isenções
fiscais na contratação de mão de obra. Como o consumo não crescia, optaram sabiamente
por guardar a grana extra e aumentar o lucro. Os governos (federal e estaduais),
por sua vez, perderam a receita desses impostos, o que agravou a crise fiscal.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">6)
É muitíssimo injusto exigir que a conta dessa crise seja paga pelos mais
vulneráveis. Em vez de fechar Farmácias Populares, sucatear universidades, mexer
na aposentadoria de quem vive no campo ou retirar direitos de assalariados que
ganham dois ou três mínimos, um governo comprometido com quem o elegeu (e não
com quem o patrocinou) proporia uma reforma tributária que taxasse fortunas e
cobrasse impostos sobre lucros e dividendos; uma reforma que incidisse mais
sobre o patrimônio, menos sobre o consumo. É indispensável aumentar a receita? Claro,
mas não (só) à custa dos pobres e da classe média. É fundamental, enfim, transformar
o dinheiro arrecadado em investimentos (que geram empregos) e amparo social a
quem mais precisa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">7)
Não há dúvida de que alcançamos tamanha instabilidade política graças (também)
à corrupção. Mas paremos com essa história com agá minúsculo de que ela (a
corrupção) começou ontem, ou de que é o maior esquema de todos os tempos do mundo
judaico-cristão-ocidental (e top três se incluirmos o resto da Via Láctea).
Cinco minutos de Google e você descobre que a corrupção é mais antiga nesta
terra do que os versos de Gregório de Matos sobre o assunto; que o flerte entre
empreiteiras e políticos vem de quando Brasília não passava de um pesadelo na
cachola do Niemeyer; que a lua de mel entre elas e eles aconteceu no regime
militar, período em que delação não diminuía a quantidade de anos na cadeia,
mas a de choques elétricos e afogamentos no porão. O grupo que assumiu o poder
em 2003 apenas renovou – o que não o exime de responsabilidade, é óbvio – os
contratos senhoriais assinados aqui há gerações.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">8)
Ilusão acreditar que a solução para nossos problemas esteja fora da democracia
ou da política. Se o candidato a qualquer cargo público se referir à ditadura
verde-oliva como época em que unicórnios alados sobrevoavam plantações de marshmallows
coloridos, basta reler o item sete para tirar os cavalinhos dessa chuva
lisérgica. Já se o candidato afirmar que não é político, pode descartá-lo
também – porque já mentiu antes mesmo de prometer congelar o preço da passagem.
Está lá no Houaiss: político é quem “exerce ou luta por ter influência
administrativa em níveis federal, estadual, municipal”. Portanto, a criatura pode
ter sido a vida inteira CEO de quermesses para empresários. Virou candidato a
prefeito, senador, presidente? É político, sim. Nem adianta se disfarçar de
gari ou jardineiro – que a política salta ainda mais aos olhos quando em
contato com a demagogia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">9)
Foi (e a cada dia é mais) golpe.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<span style="font-family: inherit;">10) É tudo verdade o que você viu ontem à noite no jornal.</span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-83312792610128343672017-04-16T07:28:00.000-07:002017-04-16T07:28:35.768-07:00Invisíveis<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Recentemente,
assisti a uma reportagem do <i>Jornal
Nacional</i> sobre como “a preocupação com a segurança está mexendo com os
hábitos e pesando no bolso dos brasileiros”. Até aí nada de mais, a não ser o
fato de um simpatizante da Aliança Rebelde como eu ainda dar audiência (mesmo
que eventualmente) ao noticiário oficial do Império Galático.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Sabe
o ditado popular que diz “os amigos a gente mantém perto; os inimigos, mais
ainda”? Então. Mais ou menos por aí.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhHRNr84yxVUD3U0zdYdcCzD23PhZWdlT2tfVs6gDwRdCnp7zBpYoQW5y0whEUd6kHyFe399vNXY4helJif2mJEjTWew727jHgpStmrEUrsKbahqPmRjpjaWHTediyjh2EcDw58fWwPNAU/s1600/Pessoas+invis%25C3%25ADveis3.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhHRNr84yxVUD3U0zdYdcCzD23PhZWdlT2tfVs6gDwRdCnp7zBpYoQW5y0whEUd6kHyFe399vNXY4helJif2mJEjTWew727jHgpStmrEUrsKbahqPmRjpjaWHTediyjh2EcDw58fWwPNAU/s320/Pessoas+invis%25C3%25ADveis3.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mas
vamos à matéria, que continuo ruminando semanas depois de ter ido ao ar: os
repórteres percorreram a cidade de São Paulo (só as ruas de arranha-céus
espelhados, é bom frisar) e entrevistaram um corretor e uma corretora de
seguros, além de um consultor financeiro – todos brancos. Os três já haviam
sido vítimas da violência urbana: o corretor teve roubados objetos que estavam
dentro de seu carro; a corretora, por sua vez, foi surpreendida por um sujeito
com um caco de vidro quando dirigia seu carro; já o consultor, ao estacionar (adivinhem)
seu carro, foi abordado por um motociclista e acabou com uma arma apontada para
a cabeça. Observação sobre o último entrevistado: ele chegou a dizer que estava
à procura de um modelo blindado; lamentou, porém, que fosse 30, 40% mais caro
que o normal.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Se
você leu essa descrição atentamente e não entendeu o motivo de tanta ruminação,
precisa já rever seus conceitos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Como
pode uma reportagem sobre violência no Brasil não percorrer periferias,
subúrbios, favelas, se é nesses espaços que acontece a maioria dos homicídios
dolosos ou por balas (nem sempre) perdidas? Como pode uma reportagem sobre
violência no Brasil não entrevistar quem mora nesses lugares (a população mais
pobre e vulnerável)? Como pode uma reportagem sobre violência no Brasil não visitar
o Nordeste, região onde se registra a maior taxa de mortes violentas para cada
cem mil habitantes? Como pode uma reportagem sobre violência no Brasil não ouvir
jovens negros, cujas chances de serem assassinados são 147% maiores do que de
jovens de outros grupos étnicos? Como pode uma reportagem sobre violência no
Brasil não escutar policiais – que, se por um lado são os que mais matam no
mundo, por outro estão entre os que mais morrem?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Como
pode uma reportagem sobre violência no Brasil ignorar o próprio Brasil?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Aos
neurônios mais desatentos, a matéria passa a ideia de que só as pessoas
brancas, só a classe média, só os donos de automóvel sentem medo e são vítimas
da violência em nosso país. Mas será que o Amarildo, a Claudia, o DG, a Maria Eduarda
e tantos outros também não sentiram medo antes de serem desaparecidos,
arrastados ou alvejados pelas probabilidades? Será que essa gente – que não tem
o perfil dos entrevistados padrão-Globo-de-qualidade – não merece a empatia de
quem está diante da tevê? Não merece uma vida blindada contra a incerteza de
voltar para casa? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">E-mails (e zaps e torpedos e cartas e sinais de fumaça) para a redação
chefiada por William Bonner.</span><br />
<span style="font-family: inherit;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-47246353922084861752017-04-09T07:49:00.000-07:002017-04-10T14:08:19.533-07:00Onde mulheres caratecas nocauteiam marmanjos atrevidos todos os dias<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Poucas
coisas na vida me fizeram sentir tanta vergonha dos meus colegas de gênero quanto
os movimentos #MachosUnidos e #ForçaZéMayer, que surgiram nas redes sociais em
solidariedade ao ator que reconheceu ter assediado a figurinista Susllen
Tonani. Uma dessas coisas certamente foi o diálogo que me vi intimado a travar
– e do qual reproduzo os melhores piores momentos – com um amigo de um amigo
de um amigo no Facebook, dias atrás.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Só
peço que <i>não</i> tirem as crianças da
sala – que elas têm de ser educadas desde o útero sobre a machocracia que ainda
submete as mulheres a todo tipo de violência. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzt-9DAd5L4u8Gsbv3A7FNhVsTwqTmiHBA18NiI7A-QdrI29wH_A_eAZpFkyy-KJ2WxsgkU6aMj_mTETf0L0seRCrIggjXe7FppGw4KDSsClTSS1r62nDCSj_ZRumiIYB08ulC70Upp6I/s1600/Mulheres+caratecas2.png" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="222" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzt-9DAd5L4u8Gsbv3A7FNhVsTwqTmiHBA18NiI7A-QdrI29wH_A_eAZpFkyy-KJ2WxsgkU6aMj_mTETf0L0seRCrIggjXe7FppGw4KDSsClTSS1r62nDCSj_ZRumiIYB08ulC70Upp6I/s320/Mulheres+caratecas2.png" width="320" /></a><span style="font-family: inherit;">“Chega
de mimimi. Que as mulheres conquistem seu espaço, mas que isso não transforme todos
os homens em estupradores e agressores.” <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Deixe
que eu lhe explique a frase “Os homens são machistas”: essa generalização é só
uma forma de mostrar que o machismo não é exceção, algo que um ou outro amiguinho
nosso pratica de vez em quando (tão raramente quanto lavar a louça ou ir à
reunião na escola); serve apenas para reforçar a ideia de que a supremacia masculina
é regra, tem caráter histórico e se estrutura numa relação de desigualdade
socialmente aceita e tão naturalizada, que usuários de cueca (como nós) muitas
vezes nem percebem. Mas pode dormir tranquilo e com a luz apagada – que o
feminismo é capaz de ver os cinquenta tons de cinza (e vermelho e amarelo e
azul e verde) que você não enxerga nem numa reles sentença.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">“Esses
ismos me preocupam. A sociedade está indo na direção oposta ao ideal de igualdade.
O que falta as mulheres conquistarem?”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Quer
que eu desenhe? Que tal igualdade salarial? Em média, elas recebem 25,6% menos
do que os homens, ainda que desempenhem as mesmas funções e tenham a mesma
formação educacional. Que tal uma divisão justa da jornada de trabalho? Elas
costumam trabalhar 7,5 horas a mais por semana, já que assumem a maior parte dos
afazeres domésticos. Que tal mais representatividade? Dê uma olhada no
Congresso Nacional, nas assembleias legislativas, nas câmaras municipais: as
mulheres mal ocupam 10% das cadeiras. Nossos números são inferiores (cuidado
para não desfalecer) aos do Oriente Médio, que tem uma taxa de participação
feminina de 16%. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">“Cadê
a delegacia para tratar homens agredidos por esposas? Quais os direitos que nós
temos que nos protegem dos ataques diários que sofremos por parte das mulheres?”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Suas
reivindicações de macho-alvo fazem parecer 1) que maridos, namorados, peguetes
e afins são regularmente submetidos a maus-tratos pela vil ditadura do
matriarcado e 2) que uma delegacia só para mulheres é um privilégio. Não é. Estamos
num país em que, a cada onze minutos, uma mulher sofre algum tipo de violência.
Mulheres são agredidas e assassinadas por serem mulheres (assim como homossexuais
são agredidos e assassinados por serem homossexuais). Homens não são agredidos
e assassinados por serem homens (assim como héteros não são agredidos e
assassinados por serem héteros). Homens podem ser agredidos e assassinados por
serem negros, mas aí já é um outro crime (chama racismo, ouviu falar?). Vou lhe
contar uma historinha que ilustra bem a sociedade em que vivemos: certa vez,
perguntei a um grupo relativamente grande de pessoas quem ali tinha medo de
pegar um táxi sozinho à noite. Só as mulheres levantaram a mão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">“O
que eu sei é que elas têm dezenas de defensores porque são vistas como sexo
frágil. Tenho uma amiga que é taxista e costuma viajar na madrugada, de um
estado para o outro, com desconhecidos. Ela faz musculação, é faixa preta em caratê,
treinou jiu-jitsu e já nocauteou marmanjo atrevido que se meteu a besta com
ela. Não teme bandido.” <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">(Eu
que fui às cordas depois dessa. Como já era tarde, só tive forças para
balbuciar uma derradeira resposta, antes de me desconectar e correr para o
travesseiro:)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">Ainda hei de conhecer esse recanto exótico do nosso Brasil – onde
mulheres caratecas nocauteiam marmanjos “atrevidos” todos os dias. Fica em
alguma esquina do Projac?</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-16873359002108183712017-04-02T06:57:00.000-07:002017-04-02T06:57:00.749-07:00Feitiço do tempo<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Vai
parecer estranho o que vou falar, mas: se você ainda não assistiu ao novo <i>A Bela e a Fera</i>, pare já a leitura, que
vai ter muito spoiler. “Ah, mas eu vi o desenho quando era criança”, você dirá.
Eu também: umas noventa e seis vezes. E mesmo assim, acredite, saí do cinema
surpreso com o remake estrelado por Emma Watson.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjmPN6w9TPGg6ZBnd_kSw4yA67M6KD7zNrYwOxE8DerhHkxHyoGgE6-FUteB_3EvwIDxSk808eLLexx0LhBdqIlD8YVynFP6cQ3ruogc3K4PXh_fL9qd9rEh2b1_kIQ6JjUQUYCtn9-AoU/s1600/A+Bela+e+a+Fera+2017.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjmPN6w9TPGg6ZBnd_kSw4yA67M6KD7zNrYwOxE8DerhHkxHyoGgE6-FUteB_3EvwIDxSk808eLLexx0LhBdqIlD8YVynFP6cQ3ruogc3K4PXh_fL9qd9rEh2b1_kIQ6JjUQUYCtn9-AoU/s320/A+Bela+e+a+Fera+2017.jpg" width="320" /></a><span style="font-family: inherit;">Dirigido
por Bill Condon, o filme até lembra uma versão estendida da animação de vinte e
tantos anos atrás. Estão lá os mesmos personagens, a mesma história de amor, os
mesmos números musicais (“Be our guest”, ufa, faz jus ao original), às vezes os
mesmos diálogos e os mesmos movimentos de câmera – com as adaptações
necessárias a um longa em <i>live-action</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Verdade
que Bela (Watson) agora não é só a mocinha apaixonada por livros, mas também a
inventora da máquina de lavar roupa e uma professora disposta a doutrinar
menores ao lhes ensinar o subversivo ato da leitura. Outra verdade é que a Fera
(Dan Stevens) agora tem uma canção para chamar de sua (“Evermore”) e uivar à
vontade, feito certo mascarado que vive a quilômetros dali, sob um teatro em
Paris.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Com
exceções como essas, continua então tudo igual naquela aldeia? Quase. O
roteiro, escrito por Stephen Chbosky e Evan Spiliotopoulos, não está na mesma
paz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Embora
visualmente seja uma reimaginação pouco ousada, esse <i>A Bela e a Fera</i> torna a narrativa original mais complexa e,
portanto, mais instigante ao incluir Villeneuve – o vilarejo em que moram Bela
e seu pai, Maurice (Kevin Kline) – no feitiço que transforma o príncipe em
monstro, joga seu castelo num permanente inverno e reduz seus criados a móveis
e utensílios domésticos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Não
é merchan social sobre Alzheimer o senhorzinho que, logo nos minutos iniciais, devolve
a Bela um “acredito que sim, só não lembro o quê”, ao ser indagado se perdeu
algo. Não é sinal (apenas) de desinteresse dos locais pelas letras que a única
bibliotecazinha da cidade tenha sempre os mesmos títulos na prateleira (isso já
acontecia no filme dos anos noventa, mas aqui o fato de o lugar aparentemente
jamais renovar sua coleção ganha significado extra). Não é mero <i>déjà vu</i> a impressão de já-estive-aqui
tida por alguns moradores de Villeneuve ao invadirem o palácio da Fera. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">O
roteiro é hábil ao espalhar pistas de que a vila segue bela-adormecida num looping
temporal (enquanto caem as pétalas da rosa mágica e permanece a contagem
regressiva para o encanto se tornar irreversível). Mais que hábil: é brilhante,
ao extrair de elementos que já existiam no desenho – como a canção que
sublinhava a provincianice do interior – a matéria-prima para transcender a
metáfora do lugarejo-parado-no-tempo, onde os habitantes resistem a mudanças.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Afora
Bela e Maurice, que vieram de Paris, estão todos ali condenados a viver “every
day like the one before”, e comer todo dia “the same old bread” que o padeiro
tem para vender.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Aliada
a esse roteiro que expande e ressignifica conceitos da obra original, está a
direção cuidadosa de Condon. Ela se destaca na recriação das coreografias com
dançarinos de carne e osso (o que já é um baita mérito, por concorrer com as de
uma animação, em que qualquer pirueta é possível) e no carinho com que trata,
por exemplo, o famoso vestido amarelo – revelado aos poucos, numa reverência ao
ícone cinematográfico que se tornou, como o chapéu do Indiana Jones ou a capa
do Superman. Outra mostra de apuro é a breve cena em que o Maestro Cadenza
(Stanley Tucci) aparece após o fim da maldição: repare em seu sorriso com janelinhas,
resultado do uso de algumas teclas como projéteis momentos antes, quando ainda
era um cravo e combatia os invasores do castelo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Tanto
esmero com a fantasia não quer dizer, no entanto, desatenção com a realidade. É
evidente (e saudável) o esforço da Disney de salpicar o elenco com minorias,
como Audra McDonald (a cantora Madame Garderobe) e Ray Fearon (o capelão Père
Robert), ambos negros em papéis “comuns”, e não nos tradicionalmente associados
à sua cor, como os de empregados. Espaço relevante na telona, porém, quem ganha
mesmo é Le Fou (Josh Gad), que agora sai completamente do armário e até arrisca
um versinho crítico ao seu amado Gaston (“But I fear the wrong monster’s
released”), mostrando que não é desumano como o vilão interpretado por Luke
Evans.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">Não posso deixar de comentar isso antes de terminar: houve quem
sugerisse boicote ao filme por causa da presença de um personagem obviamente
gay. Hashtag cansaço. Cá entre nós, se até uma obra que tem o público infantil
como um de seus alvos já admite a homossexualidade e sua pessoa não, talvez
você seja um daqueles camponeses fadados ao Dia da Marmota. Quantas rosas ainda
vão precisar perder as pétalas até que seus neurônios saiam desse looping
temporal, ô fera?</span><br />
<span style="font-family: inherit;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-31532188823138793812017-03-26T05:18:00.000-07:002017-03-26T05:18:17.711-07:00Em família<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Me
lembro bem de que, nas últimas eleições para presidente, uma conhecida defendeu
seu voto em Aécio Neves com o argumento (?!) de que, ao vencer o pleito, o
senador mineiro teria a oportunidade de cumprir o mandato que o avô dele,
Tancredo, não conseguiu nem iniciar porque morreu na véspera da posse.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">O
sangue comove mesmo o brasileiro. Não é à toa que teste de paternidade e reencontro
de parentes ao som de trilha cafona ainda fazem tanto sucesso na tevê.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiMpgSVBpVOezR56WSi4zLk0SW4rbu0VVinC0PDVKIXCfwWxV1lRVCtKDSRuGBrjKgB2wfi_7z9i-jQJBu9NSQ2o-KRdhT2gAKC4mnlGA6KEUalYdfJ_n0oNh6rz_7DD3L26KLSuXiTK4I/s1600/Brasil+Imp%25C3%25A9rio%252C+editada.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="274" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiMpgSVBpVOezR56WSi4zLk0SW4rbu0VVinC0PDVKIXCfwWxV1lRVCtKDSRuGBrjKgB2wfi_7z9i-jQJBu9NSQ2o-KRdhT2gAKC4mnlGA6KEUalYdfJ_n0oNh6rz_7DD3L26KLSuXiTK4I/s320/Brasil+Imp%25C3%25A9rio%252C+editada.jpg" width="320" /></a><span style="font-family: inherit;">Até
me surpreendi com a cara feia da tal opinião pública quando o prefeito Marcelo
Crivella tentou colocar o Marcelinho como secretário da Casa Civil carioca. Onde
se enxergou tanto nepotismo, não era possível apertar os olhos e enxergar um
pai ajudando o filho a superar o drama do desemprego? Uma tremenda injustiça o
Supremo ter suspendido a nomeação – o mesmo Supremo que não viu problema quando
o gato de estimação do vice golpista (o Angorá) ganhou ministério e foro
privilegiado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Que
tribunal é esse que ampara os bichos e desampara os homens?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">E
não estamos falando de quaisquer homens, mas de brasileiros que servem a pátria
há inúmeras gerações. Veja os Magalhães na Bahia, que, se não me engano, licitaram
a lavagem inaugural das escadarias do Bonfim para receber a comitiva de Cabral,
recém-chegada de Lisboa. Veja também os Bornhausen em Santa Catarina, que, se a
memória não me trai, organizaram a primeira chopada de que se tem notícia em
Blumenau, e que inspiraria, décadas mais tarde, a criação da Oktoberfest.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Veja
ainda os Marinho no Rio, que, se não me falha o Google, usaram a voz bíblica de
Cid Moreira para anunciar ao país inteiro que reinava o paraíso sob o regime
militar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">De
norte a sul, esses e outros (pouquíssimos) clãs regem as vidas de milhões de
súditos há mais tempo que Pedro I e Pedro II juntos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">O
recorde absoluto, entretanto, pertence à dinastia de José Bonifácio de Andrada
e Silva, que ficou conhecido como “patriarca da Independência”. Ela não larga a
Coroa desde o período colonial e conta, até hoje, com um representante na Câmara
dos Deputados, o tucano Bonifácio de Andrada, no décimo mandato consecutivo.
Merecia ou não – porque aposentadoria é para os fracos – o Troféu Reforma da
Previdência?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Que
os vira-latas de plantão escutem o que vou dizer: nossa república dos bananas é
monarquia na veia, de causar inveja à rainha da Inglaterra – Elizabeth II pode
até não precisar pagar couvert artístico quando Paul McCartney ou Elton John
tocam em suas festas de aniversário, mas também não tem um décimo do poder da
realeza canarinha.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Nem
a longevidade.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">A
casta que conduz a nação deve permanecer no trono por muitos e muitos anos, se
depender da plebe e da nobreza. Um estudo da Universidade de Brasília (UnB)
mostra que a bancada dos parentes na Câmara dos Deputados cresceu nas últimas
eleições. Atualmente, os herdeiros ocupam metade das cadeiras. TODOS os
parlamentares do Rio Grande do Norte, por exemplo, são familiares de políticos.
É ou não é de obstruir as artérias ver tantos laços sanguíneos preservados?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">A
tradicional família brasileira resiste.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">Deixando as ironias e arriscando as metáforas: no livro de História, o
Brasil continua no capítulo das capitanias hereditárias. Quantas páginas faltam
até o grito do Ipiranga? Mas o grito de fato, ainda preso na garganta das ruas.
Não aquele berreiro ensaiado que virou verso do hino nacional e manteve o país
umbilicalmente ligado ao passado – como herança transmitida de pai para filho.</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-90068619925289772872017-03-19T05:16:00.000-07:002017-03-20T05:15:52.597-07:00Ouçam o sociólogo<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Estava
eu procrastinando no sofá quando topei com o sociólogo Domenico de Masi na
tevê. Ele ficou mundialmente famoso ao cunhar a expressão “ócio criativo”. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Falava
ao jornalista Roberto D’Ávila sobre a Operação Mãos Limpas e como ela vilanizou
a classe política italiana de tal modo, que até os inocentes soçobraram: ter o
nome citado numa delação era garantia de vê-lo estampado numa manchete, o que,
por sua vez, equivalia a condenação em última instância, sem direito a recurso.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
</div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKdkJEk1E70ty9ENiiKjz34B-dBxkv1AS2PQUfpEsW8PblbMgxIG1mvxzY-05zOcpDdWbXWyWh4lg5-WWj4domFk8GidhGLSFLDt4UdwvJ7U8dNpFmgJta5xAIUg7A1ulSmOJZGb6bPkQ/s1600/Ouvir2.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKdkJEk1E70ty9ENiiKjz34B-dBxkv1AS2PQUfpEsW8PblbMgxIG1mvxzY-05zOcpDdWbXWyWh4lg5-WWj4domFk8GidhGLSFLDt4UdwvJ7U8dNpFmgJta5xAIUg7A1ulSmOJZGb6bPkQ/s400/Ouvir2.jpg" width="271" /></a><span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Quem
pegasse a entrevista no meio acharia que o assunto era outra operação – aquela
que aluga nossas manchetes há pelo menos três anos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Eu
sei: a Lava-Jato à bolonhesa revelou aos italianos o quanto eles afundavam no
molho da corrupção. Mas não custa lembrar – e De Masi lembra – que a temporada
de caça aos políticos resultou na ascensão de um “não político” à cadeira de
primeiro-ministro, o magnata das telecomunicações Silvio Berlusconi, tido como
administrador competente por seus eleitores. Talvez eles sonhassem ver o país
tão poderoso quanto o Milan (clube de futebol que é propriedade do empresário) dos
anos noventa. Não viram. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Logo
o conglomerado de empresas do figurão virou alvo de processos por fraudes
fiscais, e o próprio milionário foi acusado de comprar apoio de senadores no
Parlamento. Ou seja: de um lado, uma das formas mais manjadas de acumular
fortuna em qualquer latitude, que é evadir e sonegar (embora a mídia
corporativa faça o cidadão comum acreditar que os super-ricos “chegaram lá” porque
se esforçaram mais do que ele, acordaram mais cedo etc.); de outro, a... corrupção.
<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Para
completar, Berlusconi ainda se envolveu naquelas polêmicas típicas de quem
adora pegar carona nos moralismos do eleitorado: mandou cobrir a nudez de um quadro
que enfeitava o palácio do governo, a cópia de uma pintura de Gianbattista
Tiepolo (“La verita svelata dal tempo”) na qual uma mulher aparecia com os seios
de fora.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">O
brasileiro que se cuide então: aqui sobra candidato cujos caninos cintilam nas
capas das revistas de negócios, mas que é apenas gestor de velhas vampiragens.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Outro
tema abordado por De Masi no bate-papo com D’Ávila foram os avanços
científicos e tecnológicos das últimas décadas – que, segundo o professor,
deveriam ampliar o tempo livre para o ser humano exercitar sua criatividade. Deveriam.
Porque ainda há países em que medidas como diminuir os direitos do assalariado
e aumentar o número de horas trabalhadas são consideradas pontes para o futuro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Pouco
importa que fábricas na Suécia promovam o bem-estar de seus empregados
reduzindo o expediente diário (e por isso vejam crescer significativamente a
produtividade e o lucro), ou nações como o Japão comecem a perceber que
intermináveis horas extras só incrementam o gráfico de karoshis e karojisatsus (respectivamente,
as mortes e suicídios causados por jornadas de trabalho exaustivas). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Enquanto
o atual desgoverno brasileiro aposta no slogan “Não pense em crise, trabalhe”, há
quem adote o lema “Trabalhe menos e pense”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">De Masi é desses que privilegiam o pensamento. Não por acaso, marcou a segunda
alternativa ao ser indagado, no último bloco do programa, sobre qual seria o
maior desafio do Brasil no momento: combater a corrupção ou investir em
educação. Repetiu ainda o que as estatísticas lhe mostraram: lugares onde existem mais cidadãos
com formação universitária – e, portanto, uma cena intelectual mais dinâmica
– têm índices menores de violência e maior desenvolvimento econômico. Sublinhou, porém,
que o ensino não deve se alicerçar apenas nos nichos voltados para os três is (<i>informatica</i>, <i>inglese</i> e <i>impresa</i>), como
tem sido feito na Itália e em outros países cujos dirigentes enxergam a vida como
uma edição de <i>O aprendiz</i>. É preciso fortalecer
as ciências humanas, afirmou. De acordo com o professor, só uma educação que prioriza
a História e as artes protege a sociedade dos autoritarismos e populismos que
de tempos em tempos a ameaçam.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Infelizmente,
é o avesso disso que vemos hoje por aqui. Contrasta com os avanços registrados
nos últimos anos – especialmente o maior acesso ao ensino superior, graças aos <i>campi</i> criados, às cotas e ao financiamento estudantil – o descaso crescente com a universidade
pública. Impossível não citar a crise que atravessa a Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (a UERJ em que me formei e conheci minha Fernanda): servidores
com salários atrasados há meses, estudantes sem bolsas, serviços básicos (como
limpeza e conservação) precarizados, bandejão fechado, laboratórios sem luz,
hospital universitário com atendimento comprometido por falta de funcionários e
materiais etc. etc. etc.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Etc.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Some-se
a isso a reforma do Ensino Médio aprovada há algumas semanas, que,
diferentemente do que a propaganda anuncia – agora o aluno vai ter “mais
liberdade para escolher o que estudar, de acordo com sua vocação” –, dispensa as
escolas de oferecer as cinco áreas de concentração, os chamados itinerários
formativos: linguagens; matemática; ciências da natureza; ciências humanas e
sociais aplicadas; formação técnica e profissional. A nova lei é clara: as
instituições não são obrigadas a disponibilizar todos os itinerários, mas, sim, <i>pelo menos</i> um deles. E aí resta a
pergunta óbvia (nem precisa ser sociólogo para fazê-la): que “liberdade para
escolher” o aluno vai ter se os colégios na sua região oferecerem só uma ou
duas opções?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Terá
ele a oportunidade de se tornar, quem sabe, um De Masi? Ou lhe será dada
somente a chance de trilhar a carreira da mão de obra barata?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Contra
tantos retrocessos, o professor sugere pequenas revoluções; a
redução da jornada de trabalho e o estímulo à cultura humanista, claro, estão
entre elas. A primeira revolução, no entanto, deveria ser ouvir mais gente como
ele. Difícil não é. Até o corretor ortográfico do Word – que não é lá a
criatura mais brilhante do mundo – passou o texto inteiro tentando me convencer
a trocar De Masi por De Mais.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Alguma
coisa ele escutou.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span></div>
Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-68754984886284847622017-03-12T05:27:00.000-07:002017-03-12T06:22:12.830-07:00Dançando no escuro<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Um
dos raros momentos em que o protagonista de <i>Moonlight</i>
(Chiron) parece à vontade consigo mesmo e com o mundo é na aula de dança, na
escola. Diante de um espelho enorme – e, aparentemente, nem aí para as crianças
que dividem a sala com ele –, o menino sacode o corpo como se o ar (e a vida)
não oferecesse resistência.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhk-adKH-YB3DL5tit7TzsVBACMVJHxAjkP0R2mU_rv3OS6xyaPu7YtZ6q576L83fVuyFcDVtZp7K17MOcX4AQv0PBO_aAdg-iPMlVr_Ru8vKu2U8A3DQcac9J85GMUyQW4E7-Hqpoxt9Q/s1600/Moonlight.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img alt="" border="0" height="238" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhk-adKH-YB3DL5tit7TzsVBACMVJHxAjkP0R2mU_rv3OS6xyaPu7YtZ6q576L83fVuyFcDVtZp7K17MOcX4AQv0PBO_aAdg-iPMlVr_Ru8vKu2U8A3DQcac9J85GMUyQW4E7-Hqpoxt9Q/s320/Moonlight.jpg" title="" width="320" /></a><span style="font-family: inherit;">Negro,
pobre, gay, criado apenas pela mãe (que se droga e se prostitui) no subúrbio de
Miami, o jovem – interpretado por Alex R. Hibbert na infância, Ashton Sanders
na adolescência e Trevante Rhodes na fase adulta – tem uma extensa lista de
motivos para se sentir marginalizado e se esconder numa casa escura e
abandonada ao fugir dos colegas que o perseguem, no começo do filme.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">É
particularmente bonita (pois metafórica) a cena em que ele é resgatado de lá
por aquele que virá a ser o pai que nunca teve: Juan surge arrancando o tapume
de uma das janelas, permitindo assim que o sol finalmente incida sobre Chiron.
É como se o personagem vivido por Mahershala Ali desse à luz o pequeno – “batizado”
mais tarde no mar pelo mesmo Juan em outra cena lindíssima, igualmente inundada
de significado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Uma
e outra sequências são marcadas ainda pelo silêncio do garoto, traço tão
ensurdecedor de sua personalidade, que atravessa todo o longa. Sua dificuldade
em verbalizar os sentimentos vai do instante em que é acolhido por Juan e
resiste a falar (até o próprio nome), passa pelo episódio em que apanha de um
amigo e atinge o ápice no último ato, quando hesita ao máximo em revelar a
certo personagem o quanto este foi (e ainda é) importante para ele.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Tais
silêncios ecoam a delicadeza do roteiro e da direção de Barry Jenkins, que
jamais se rende aos acordes tentadores do melodrama. Não por acaso o cineasta
usa uma simples frase para informar ao espectador que fim levou Juan,
dispensando dessa maneira uma cena que, nas mãos de um diretor menos sutil,
elevaria os decibéis de glicose a níveis estridentes. Da mesma forma, em outra passagem
capital da trajetória de Chiron, o mar e a mão que roçam a areia são
suficientes para que a plateia escute o alvoroço de sensações experimentado
pelo protagonista.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Numa
época em que parece ganhar atenção apenas quem fala mais alto (pouco importando
o que é falado), traz certo alívio ver um filme como esse – que sussurra o
grito de tantos excluídos – vencer um prêmio tão barulhento quanto o Oscar, ainda
mais quando o superultramegafavorito da noite é um musical, talvez o gênero que
mais berre sua natureza de faz de conta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">Nada contra <i>La La Land</i>, de que
também gosto e cujas canções assobio há semanas, mas dar voz à trilha sonora de
uma vida que, em outros carnavais, não ganharia os alto-falantes de Hollywood
ajuda os ouvidos a reeducarem a própria audição – e a expandirem o repertório
de melodias disponíveis na jukebox que toca no peito.</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-50079444952667374162017-03-05T06:12:00.000-08:002017-03-06T04:48:44.248-08:00Mulheres (ainda) à beira<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">O
goleiro condenado por matar a ex-namorada Eliza Samudio, dar sumiço no cadáver
e ainda sequestrar o próprio filho foi solto pelo Supremo Tribunal Federal após
cumprir menos de um terço da pena. Nem sete anos. Vai aguardar em liberdade a
decisão sobre os recursos impetrados por seu advogado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Não
discuto a legalidade do <i>habeas corpus</i>
concedido pelo juiz Marco Aurélio Mello. Nem desejo que um réu fique
indefinidamente preso enquanto espera o julgamento na instância seguinte – em
primeiro lugar, porque isso é ilegal e desumano; em segundo, porque só
contribui para abarrotar ainda mais os já superlotados presídios brasileiros.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhK-OlJ7jj4GLntbvBbsSv39yXcNMlNCKlQxdjlIuJvhIV7HJIOOXi3UUnuWf1rvGn8ixZFwHfaOUGACYbVB2BBPF6wQ1z6mAzdWZPqYEsoqzbPTg2YulhL-SSmD50pfIME1FWt9hYXhwQ/s1600/Machismo1.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="188" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhK-OlJ7jj4GLntbvBbsSv39yXcNMlNCKlQxdjlIuJvhIV7HJIOOXi3UUnuWf1rvGn8ixZFwHfaOUGACYbVB2BBPF6wQ1z6mAzdWZPqYEsoqzbPTg2YulhL-SSmD50pfIME1FWt9hYXhwQ/s320/Machismo1.jpg" width="320" /></a><span style="font-family: inherit;">Mas
me incomoda a brandura da lei diante dos crimes cometidos – brandura que certamente
reflete a tolerância com que a sociedade encara a violência contra a mulher.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Pois
bastou o sujeito deixar a cadeia para os holofotes o procurarem. De repente importa
menos o delito e mais a audiência que o astro pode proporcionar. Agora ele aproveita
que é a bola da vez para dar entrevistas e exibir a marca de quem “pagou caro”
– palavras dele – pelo “erro” que cometeu. De cabeça empinada (como nos áureos
tempos rubro-negros), afirma que não apagaria nada que aconteceu; que nem prisão
perpétua traria a vítima de volta; e que só quer recomeçar a carreira. Difícil
não vai ser, ainda mais no país do futebol (esporte também conhecido como “coisa
de homem”): nove clubes já teriam mostrado interesse em sua contratação. A
maioria, no entanto, pediu para não ter o nome revelado. Vergonha pura e
simples ou – hipótese absurda, espero – receio de gerar frustração na torcida, caso
o jogador não vire reforço?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">O
clímax são as fotos em que ele aparece ostentando o sorriso ao lado da atual
esposa e tirando selfies com fãs (fãs!). A reserva no castelo de <i>Caras</i> já deve ter sido feita.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Se
o desdém (não só) midiático pelo assassinato de Eliza – ou por qualquer ato de
violência contra qualquer mulher – ainda não tinha ficado claro nessa reestreia
do atleta no showbiz, ficou quando o “jornalista” Alexandre Garcia (há décadas no
rádio, na tevê e agora na internet) comentou com um inacreditável “E eu com
isso?” a notícia de que a atriz Jane Fonda sofrera um estupro na juventude.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">A
frase – responsável por alçar a criatura ao favoritismo absoluto do troféu Babaca
do Ano – gerou manchete, mas não deveria gerar surpresa. Afinal, foi assinada
por um senhor que sempre e abertamente apoiou um regime (o militar) célebre por
torturar mulheres, com requintes que iam do choque elétrico nos órgãos genitais
ao estupro propriamente dito, passando pela proibição de amamentar os filhos,
também presos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">E
outra: não é de hoje que esse mesmo senhor golfa misoginia nas redes sociais.
Recentemente, sentenciou que a palavra “feminicídio” era “invenção de quem pensa
que homicídio é matar ‘hômi’”, numa demonstração explícita e debochada de que ignora
as razões que levam uma mulher a ser agredida a cada onze minutos no Brasil (ou quatro, como no recém-terminado Carnaval carioca).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Ele
não é exceção, infelizmente. Em sua companhia, está o editor que estampou na
capa do jornal <i>O Globo</i>, há dois anos,
em pleno Oito de Março, charge na qual um terrorista do Estado Islâmico ameaçava
decapitar a então presidenta Dilma; está o delegado que sugeriu arquivamento do
inquérito contra o político que agrediu a esposa (e era candidato a prefeito do
Rio de Janeiro); está o traficante que atirou na parceira porque ela se recusou
a transar; está o ministro do Supremo que concedeu <i>habeas corpus</i> ao médico que cometeu dezenas de estupros.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Está
aquele um em cada três brasileiros que culpa a mulher que frequenta baile funk
ou usa roupas curtas por sofrer violência sexual.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Está,
enfim, a corja que só alcançou o poder após dar um golpe na primeira mulher eleita
presidenta do Brasil; está o vice que deu posse a um ministério formado
apenas por exemplares do sexo masculino, desenhando sem pudores a machocracia
que insiste em nos subjugar desde o estupro original, há cinco séculos; está o
desgoverno que, ao cortar cargos comissionados (em nome de uma austeridade
seletiva, porque em geral só atinge os mais vulneráveis), demitiu mais mulheres
do que homens – mesmo sendo superior o número de cadeiras ocupadas por eles.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">Às vésperas de mais um Dia Internacional da Mulher, é triste constatar
que as filhas deste solo ainda não encontraram a tal mãe
gentil.</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-32139522816726762692017-02-26T04:21:00.000-08:002017-02-26T04:21:32.094-08:00A Alvissareira<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Estou
pensando em abrir uma lojinha. Coisa modesta, que eu não sou de querer
joalheria favorita de político para ganhar isenção fiscal. A ideia é até trabalhar
com joias e outros tesouros, mas não do tipo que orna primeiras-damas. O lugar
há de lembrar um daqueles quinquilhódromos que só negociam raridades, como o
muquifo onde o senhor Peltzer comprou um mogwai para o filho no Natal ou o
cafofo onde Harry Potter foi escolhido por sua varinha.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDt8lv_RH424cIFZjQ8A9xbgDXSW5k_17r95dmSk8_w_1ReMjY43Fe1tZqjY0i19_baLeMdFkKkDOjn8zhyphenhyphenZWMgKlzftP0P7cTkRdg8Leg-6cOFb8fNllUoNOYFsYfTODVPo6Z3K4CGwM/s1600/sonho2.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDt8lv_RH424cIFZjQ8A9xbgDXSW5k_17r95dmSk8_w_1ReMjY43Fe1tZqjY0i19_baLeMdFkKkDOjn8zhyphenhyphenZWMgKlzftP0P7cTkRdg8Leg-6cOFb8fNllUoNOYFsYfTODVPo6Z3K4CGwM/s320/sonho2.jpg" width="320" /></a></div>
<span style="font-family: inherit;">As
relíquias, no entanto, não serão objetos empoeirados de saudade. Não espere
encontrar lá o rádio em que a bisa ouvia <i>O
direito de nascer</i>, o cuco em que o biso contava as horas para rever o broto,
a Olivetti com a qual a vovó datilografava os memorandos ditados pelo chefe, a
Caloi com a qual o vovô corria o bairro vendendo sonhos de porta em porta. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Em
vez disso, espere encontrar entre as prateleiras – diariamente lustradas com
utopia – um smartphone que faz jus ao nome por só receber e enviar notícias
verdadeiras e relevantes. Ele vem com um chip que exclui automaticamente textos
não assinados (em geral, compartilhados por sites sem expediente), jornalistas
declaradamente apaixonados por vices golpistas e manchetes sobre a Bruna
Marquezine na fila do pão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Espere
encontrar ainda um relógio que encurta o dia quando o dono tenta encaixar mais
uma reunião no escritório, mais um aparelho na musculação, mais uma DR na noite
– e que estica as horas quando ele resolve escrever um poema, quando ele vai ao
cinema com os filhos, quando ele tira o amor de sua vida para dançar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Uma
seção particularmente especial será a dos teclados inteligentes. Praticamente
um Bumblebee doméstico, o equipamento vem com um dicionário na memória que não
só corrige qualquer deslize ortográfico no momento da digitação, como também sugere
aos seus usuários palavras que eles pouco ou nunca utilizam no dia a dia.
Ultimamente, verbetes como “diálogo” e “empatia” têm sido muito recomendados. Outra
vantagem dos TIs é que eles têm um dispositivo que trava as teclas sempre que o
sujeito decide redigir um textão com conteúdo racista, xenófobo, misógino,
homofóbico etc.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Pena
que essa tecnologia não estava disponível antes do discurso de posse do Trump.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">A
Alvissareira ainda terá um espaço para os clientes deixarem suas bicicletas – porque
a gerência pretende desestimular o uso do automóvel – e um café com aquelas poltronas
tão aconchegantes quanto a casa dos avós aos domingos – onde os amigos poderão esquecer
o presente enquanto saboreiam uns futuros polvilhados de açúcar e canela.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">Só preciso achar um chef cuja especialidade sejam sonhos.</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-87531361396194331522017-02-19T04:05:00.000-08:002017-02-19T04:05:50.565-08:00Retrocesso a jato<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Companhias
aéreas americanas acabam de criar uma classe inferior à econômica: a econômica
básica. Os passageiros que optam por ela só têm direito a uma bagagem de mão, a
ser acomodada sob o assento; não podem usar o maleiro superior. Também não
podem escolher o lugar. Essas novidades vão na mesma direção da cobrança (por
fora) da comida servida a bordo – já comum em alguns países – e da prometida
oferta de lugares em pé (!), com a qual se pretende ampliar a venda de tickets
por voo. Segundo as empresas, essa segmentação da cabine em subclasses é uma
“tendência” que visa “maximizar a receita” e “propiciar grande valor” aos
acionistas nos próximos anos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDYwzHIiQsQZfh_D7cyCERFyFmnixrpalm2PYDAyEW-Zhb42Vgh8AutC7uGaEe7HVdKC1Ec6Zj5_F16mfRC-BDgxaNPMrWilAHH2ujNUGBvvhMndnkXLlqEXaZI5F7ESNrWx1Z7OFtVSc/s1600/M%25C3%25A1scaras+de+oxig%25C3%25AAnio.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="205" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDYwzHIiQsQZfh_D7cyCERFyFmnixrpalm2PYDAyEW-Zhb42Vgh8AutC7uGaEe7HVdKC1Ec6Zj5_F16mfRC-BDgxaNPMrWilAHH2ujNUGBvvhMndnkXLlqEXaZI5F7ESNrWx1Z7OFtVSc/s320/M%25C3%25A1scaras+de+oxig%25C3%25AAnio.jpg" width="320" /></a><span style="font-family: inherit;">Do
jeito que as coisas estão, não vou me espantar se num futuro próximo inventarem
uma tarifa extra para o viajante ter acesso ao banheiro ou à máscara de
oxigênio – quiçá ao próprio oxigênio. É assim que funciona um mundo cada vez
mais regido pela lógica do lucro, onde governos são patrocinados por corporações
(entre elas as companhias de aviação): nele o direito de hoje pode ser o
privilégio de amanhã. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Nele
não surpreende um jornal de grande circulação – que nada mais é que uma empresa
sustentada por outras empresas, os anunciantes – <span id="goog_1704145103"></span>botar aspas na palavra
“direitos” ao se referir às férias e ao décimo terceiro<span id="goog_1704145104"></span>, como se ambos fossem
privilégios de uma elite e pudessem ser extintos a qualquer momento, sob a
alegação de que atrapalham o crescimento econômico porque diminuem a
competitividade do país frente a nações cujos trabalhadores não contam com
essas “regalias” (minha vez de botar aspas).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Não
esqueço o dia em que esse mesmo jornal lembrou que <span id="goog_1704145110"></span>certos países asiáticos
conseguiam ser mais competitivos do que os europeus por não terem restrição
legal para o número de horas trabalhadas<span id="goog_1704145111"></span>. Provavelmente os donos da publicação ainda
estavam sob o efeito do slogan “Online, on time, full time”. Certamente desconheciam
o que significa para um francês o flanar, ou para um espanhol a sesta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Ainda
nesse mundo em que leitores são convencidos pelo noticiário de que seus
direitos são privilégios, não surpreende uma revista de alcance nacional –
igualmente uma empresa sustentada por outras – estampar na capa um
septuagenário Mick Jagger e sugerir que continuar trabalhando até a pós-velhice
pode ser uma ótima ideia, como se todo brasileiro contasse com a fortuna do inglês
ou pudesse escolher quando pendurar a guitarra; e mais, como se todo brasileiro
alcançasse os 65 anos que a reforma da Previdência pretende estabelecer como
idade mínima para a aposentadoria. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Só
um dado: na periferia da cidade de São Paulo, a expectativa de vida em 2015 – em razão da violência e do difícil acesso a leitos hospitalares – não chegava aos sessenta anos. Interpretem.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Interpretem
ainda um ministro da Saúde que – num momento de crise econômica, quando
deveríamos aumentar a proteção aos mais vulneráveis, e não o contrário – <span id="goog_1704145089"></span>critica
o tamanho do Sistema Único de Saúde (SUS) e afirma que os direitos previstos para
a área na Constituição são financeiramente insustentáveis<span id="goog_1704145090"></span>. Interpretem também um
ministro do Supremo que – nesse mesmo momento de crise, quando, repito,
deveríamos aumentar a proteção aos mais vulneráveis – <span id="goog_1704145093"></span>defende a privatização do
ensino superior com o argumento de que o Estado não tem mais condições de custear
integralmente a educação, devendo priorizar, assim, os níveis fundamental e
médio<span id="goog_1704145094"></span>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Minha
humilde interpretação: no orçamento não cabem o SUS (que atende os mais pobres)
nem a universidade pública (hoje frequentada por muitos alunos de baixa renda, os
cotistas) porque têm de caber, prioritariamente, bilhões de reais para
socorrer operadoras de telefonia à beira da falência e reajustar os já altos
salários do Judiciário. Ou: é para isso que serve congelar investimentos em
saúde e educação por duas décadas – garantir verbas para os amigos empresários
e para os colegas magistrados, que hão de interpretar as leis a favor desses e
de outros privilegiados de sempre.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Não
por acaso, os oito homens mais ricos do planeta concentram o mesmo patrimônio dos 3,6 bilhões mais pobres. A “tendência” seguida não apenas por aquelas
companhias aéreas – proteger os acionistas da casa-grande à custa do bem-estar
e da segurança de quem viaja na senzala – só ajuda a aprofundar essa desigualdade;
e, se não for revertida, vai levar a humanidade ao século passado para repetir,
como farsa, uma famosa tragédia – protagonizada não por um avião, mas por um
navio que diziam ser inafundável, onde sobrava espaço para os luxos de uma meia
dúzia.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">E faltava para os botes que salvariam as vidas da maioria.</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-15008010004902252212017-02-12T03:23:00.000-08:002017-02-12T03:23:45.435-08:00Oh captain, my captain<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Ben
Cash (Viggo Mortensen) não quer ver os filhos crescendo num mundo em que
felicidade virou sinônimo de “Ganhei o novo iPhone no Natal”, em que ser e
consumir passaram a ocupar o mesmo espaço no dicionário. Por isso, cria os seis
rebentos na floresta. Lá eles plantam, caçam, malham, fazem escalada, estudam
física e filosofia, leem os clássicos e <i>não</i>
comemoram a chegada do Papai Noel – preferem celebrar a vinda do Titio Noam à
Terra, num sete de dezembro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgadwCtkxaZxz-ZfbVrtzHtcO0IOtFp74wOtMmFhXHs6pQsAwh1gfVbEbIoWIOS8fcGi-_aDWZtBlB-MpJ7DDWTx1FhJFYEFbLLPkHgTyJ4cxYJ8d1kWKRziEI2ej8p0aSQJfFxkO773R8/s1600/Captain_Fantastic_Artecines_Capa-1.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgadwCtkxaZxz-ZfbVrtzHtcO0IOtFp74wOtMmFhXHs6pQsAwh1gfVbEbIoWIOS8fcGi-_aDWZtBlB-MpJ7DDWTx1FhJFYEFbLLPkHgTyJ4cxYJ8d1kWKRziEI2ej8p0aSQJfFxkO773R8/s320/Captain_Fantastic_Artecines_Capa-1.jpg" width="320" /></a><span style="font-family: inherit;">Uma
família que festeja o aniversário de Chomsky no lugar da data mais comercial do
ano merece todo o meu respeito. Diz o bom velhinho que cultuas e te direi quem
és: um superpai. Super mesmo, a ponto de o filme escrito e dirigido por Matt Ross
ter sido batizado <i>Capitão Fantástico</i> –
nome tão stan-lírico, que periga atrair os distraídos ao cinema para conhecer o
futuro novo integrante dos Vingadores.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mas
não. O herói aqui não voa nem veste paletó de ferro. É super por tratar seus
filhotes como adultos. Nunca esconde a verdade, por mais dura ou embaraçosa que
seja. Pode ser o suicídio da mãe deles (o que leva a trupe a deixar seu
refúgio), pode ser o significado da palavra estupro, que rende uma cena
divertida com a caçula Nai (Charlie Shotwell) graças à maneira direta com que Ben
tira as dúvidas da menina. O contraste dos Cash com os primos, criados como se
fossem desmanchar no primeiro sopro de realidade, ilustra como muitas vezes retardamos
o amadurecimento das crianças – e até as infantilizamos mais – ao cultivar
tabus e preconceitos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Não
deve ser coincidência que ainda vague por aí tanto marmanjo incapaz de discutir
abertamente determinados assuntos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Outro
poder que faz de Ben um superpai: ele não aceita respostas fáceis. A certa
altura, pede a Kielyr (Samantha Isler) que fale sobre o romance que está lendo (<i>Lolita</i>, de Nabokov), e a filha lhe
oferece um dos adjetivos mais preguiçosos e vazios que existem: interessante. Resposta
errada, bebê. Esqueceu que o vocábulo orna a lista de termos proibidos por ser quase
uma não palavra? A mocinha, então, tenta driblar a curiosidade paterna repetindo
o que leu. Resposta errada de novo. Papai não quer resumo. Quer uma análise de
verdade, com opinião baseada em argumentos. Tanta (saudável) insistência depois,
a adolescente enfim deixa a superfície e mergulha na interpretação, revelando,
entre outras coisas, que simpatizou com o professor Humbert, embora ele aja
como um pedófilo. Por quê? Porque a história é contada a partir do ponto de
vista dele.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">(Diz
aí: não seria bom dividir a mesa com familiares que, educados desde berço, debatessem
arte ou política como gente grande e não empacassem no “Discordo”, no “É minha
opinião” ou no “Chola mais”?)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Parentes
e parênteses à parte, as impressões de Kielyr sobre o livro ecoam o que o
espectador vê na telona, num instigante exercício de metalinguagem: até que
ponto simpatizamos com o protagonista porque a performance carismática de
Mortensen nos leva a isso? não poderíamos igualmente enxergá-lo como um irresponsável
que põe em risco a segurança dos filhos ou os priva do direito de frequentar
uma escola? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">O
avô das crianças enxerga o genro exatamente assim. Tanto é que tenta a guarda
delas. Justamente por se opor a Ben quanto à criação dos pequenos, Jack (Frank
Langella) tinha tudo para ser o Caveira Vermelha do nosso Capitão. Não é. O
roteiro que dispensa maniqueísmos e a interpretação do veterano ator desenham o
sujeito como alguém realmente preocupado e amoroso com os netos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">A
sofisticação do texto escrito por Ross surge ainda em sequências como aquela na
qual Rellian (Nicholas Hamilton) começa a tocar percussão e Cash, em vez de reprimir
o filho, passa a batucar junto, mostrando sua capacidade de se adaptar a
qualquer ritmo – ou circunstância – em prol das crias, numa sugestão discreta
do roteiro sobre o desfecho da narrativa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Outra
passagem que sinaliza o cuidado do cineasta com sua obra, agora na direção, traz
Ben entoando um discurso resignado, aparentando desistir de certa missão. A
fala inteira é dita enquanto o encaramos pelo retrovisor do ônibus que conduz –
uma pista elegante de que aquele não é o superpai com o qual já nos acostumamos,
mas seu eu invertido. Logo que ele se volta para os filhos, manda às favas o
palavrório típico dos conformados e acelera rumo a seu destino. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">Um destino que, se por um lado tem a ver com a morte de uma pessoa tão
amada, por outro aponta para o nascimento de uma sociedade menos vulnerável à
kryptonita do consumo e da alienação, mais atenta a joias (do infinito) como a
sustentabilidade e o conhecimento – uma utopia que talvez jamais seja alcançada,
mas que um senhor fantástico, capaz de se esticar indefinidamente para abraçar seus
descendentes, insiste que eles continuem perseguindo.</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-25022670054098919952017-02-05T03:39:00.000-08:002017-02-05T03:45:20.186-08:00Pé na estrada 2<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Eu
no Camboja, com selva por todos os lados? Não podia ser real. Tive certeza
disso quando aquelas raízes imensas sobre o templo de Ta Prohm (Google nele, se
você não sabe do que estou falando) começaram a deslizar na minha direção cheias
de más intenções e a Lara “Tomb Raider” Croft apareceu para me salvar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Angelina-Jolie-estende-as-mãos-para-a-sua-pessoa
é aquele momento em que você cai do colchão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzlO9nFetKLCBjzECC4WNIAHKrSui2vM8OPeCxvs4WS7jP3LVp8f9sj9LB7hRA82paYwmW9S3cBwUq0B_MPbLKd2_tS-7ZNS9svd-XMK4kyxw3tLVJdNs0qmx4rr6xKD5DdskJB4Luz_0/s1600/Um+lugar+na+janela+2.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzlO9nFetKLCBjzECC4WNIAHKrSui2vM8OPeCxvs4WS7jP3LVp8f9sj9LB7hRA82paYwmW9S3cBwUq0B_MPbLKd2_tS-7ZNS9svd-XMK4kyxw3tLVJdNs0qmx4rr6xKD5DdskJB4Luz_0/s320/Um+lugar+na+janela+2.jpg" style="cursor: move;" width="212" /></a><span style="font-family: inherit;">Aí
percebe que aquele país minúsculo, espremido entre a Tailândia e o Vietnã, não
só passou a integrar seu repertório onírico, como ainda virou o milésimo
segundo destino obrigatório daquela sua lista de mil e um lugares para conhecer
antes do último traslado. Culpa de Martha Medeiros e seu <i>Um lugar na janela 2: relatos de viagem</i>.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Assim
como no primeiro volume – igualmente responsável por me fazer acumular milhas
durante o sono, e sobre o qual também <a href="http://pasmatorio.blogspot.com.br/2013/03/pe-na-estrada.html" target="_blank"><span style="color: blue;">escrevi</span></a> –, a gaúcha reúne experiências suas
longe de Porto Alegre. Desta vez, o itinerário inclui desde um show dos Rolling
Stones no Hyde Park até um retiro em Cascais, passando por uma visitinha a um santuário
asiático em que os devotos depositam milhares de pênis de madeira. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Há
pacotes para todas as taras.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mas
aqui eles não são tão importantes quanto na vitrine das agências. O que (mais) conta
são as personagens em que a autora se transforma a cada viagem: a excursão ao
México não tiraria o fôlego sem a aventureira que se arrisca nos subterrâneos
de uma reserva florestal; as férias na Sicília não teriam a mesma doçura sem a <i>mamma</i> que resgata da mendicância a
filhota mochileira; os dias no Uruguai não seriam tão despojados sem a alma
hippie que cruza as ruas de terra batida de Punta del Diablo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Mais
do que descobrir lugares, Martha descobre outras Marthas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Com
a sensibilidade de quem sabe que tocar um chão distante vale mil fotos, mas trocar
com os que vivem nele vale o jet lag, elas mostram ao leitor que viajar é uma
ótima oportunidade de – mais do que dar férias àquele eu previsível a que a
rotina nos reduz – autorizar a decolagem daqueles eus confinados aos
lugares-comuns do cotidiano. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Seja
com a Martha que degusta a Riviera francesa, seja com a Martha que consome Nova
York – mas sempre com a Martha que traduz os cardápios mais sofisticados usando
a sintaxe mais simples –, viajar é também ler o outro, é aprender um jeito novo
de saudar o tempo, uma forma diferente de vestir o instante, um modo inesperado
de temperar as prioridades, um maneira surpreendente de encarar o humano – e com
isso exercitar a empatia, expandir o mundo e ampliar perspectivas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<span style="font-family: inherit;">Impossível não desembarcar na última página com a sensação de voltar
para casa depois de uma viagem que foi além do descanso e da diversão; de uma
viagem cujo excesso de bagagem não pesa nem gera multa: é apenas a certeza de
que não somos mais tão turistas de nós mesmos e dos demais hóspedes deste
resort chamado Terra.</span><br />
<span style="font-family: "times new roman" , "serif"; font-size: 12.0pt;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-72502275779090959772016-12-18T03:25:00.000-08:002016-12-18T03:25:03.060-08:00Canção do exílio<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">“Espécie
rara de colecionador, pouco liga para o que o objeto é em sua origem e sim o
que se torna ao ganhar outra vida, estraçalhado, em seguida ressuscitado.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMmR8floiQ2VWqL6q0M_yleqAipTpbqkrcuJpd_sviDx2o6ehsxkih9Tg-QhP7VB6_LfrEoL0lyNUu1D07FobKzZwGzU841lMb1v2eE-Bl9LDF35AcEeE97Rp2-ymrLtX1lc-rah-LoSk/s1600/Rio+Paris+Rio.png" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMmR8floiQ2VWqL6q0M_yleqAipTpbqkrcuJpd_sviDx2o6ehsxkih9Tg-QhP7VB6_LfrEoL0lyNUu1D07FobKzZwGzU841lMb1v2eE-Bl9LDF35AcEeE97Rp2-ymrLtX1lc-rah-LoSk/s400/Rio+Paris+Rio.png" style="cursor: move;" width="267" /></a><span style="font-family: inherit;">O
trecho se refere a certa personagem do romance <i>Rio-Paris-Rio</i> dada a provocar acidentes com qualquer bibelô apenas
para, em seguida, juntar seus cacos e reconstruí-lo. Mas bem que poderia se
referir à sua autora, Luciana Hidalgo, que oferece ao leitor uma passagem em
primeira classe até o mundo de Maria, cuja vidinha pretensamente quadrada e
simétrica – tal qual o quarto em que se refugia na capital francesa – derrete
de vez em meio às manifestações estudantis de maio de 1968.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">À
maneira de uma restauradora singular – nem um pouco dedicada a recuperar a
forma original da peça fraturada, mas a realçar o que deriva da fratura –,
Luciana esculpe em doze capítulos a odisseia de renascimento da jovem que deixa
o Brasil dos militares para estudar filosofia na
Sorbonne e, ao mesmo tempo, ordenar o caos dos últimos anos, marcados não só pelo
golpe que instaurou uma ditadura no país, mas também pela morte do irmão em
circunstâncias trágicas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Como seu ancestral literário (o herói Ulisses), Maria conta com
uma Ítaca a lhe servir de bússola nessa travessia. Não uma Ítaca fixa, porto
seguro, xis previsível no mapa, como a da epopeia. Uma Ítaca, ao contrário,
móvel, ambulante, flutuante: o também jovem Arthur. Um poeta, um artista de rua,
um brasileiro igualmente foragido – que ocupa o quartel-general da moça com versos
jogados por baixo da porta. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Viajar
é sentir, diz um deles (extraído de Fernando Pessoa). Sentir tudo de todas as formas, excessivamente – aí
está o passaporte para se aproveitar ao máximo o roteiro planejado por Luciana.
Não deve o turista que enveredar pelo bulevar de papel e tinta da autora
esperar uma narrativa cheia de peripécias, feito um poema homérico ou aquela
excursão que corre os mil pontos turísticos da Cidade-Luz em apenas um fim de
semana.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">A viagem
aqui é flanar entre personagens das mais sortidas nacionalidades que, direta ou
indiretamente, foram atingidos pela truculência da História (como Maria, Arthur
e tantos outros); é se deixar (co)mover por corpos e mentes que, de repente, se
viram jogados na sarjeta de um período histórico e tiveram de aprender a cuspir
fogo no autoritarismo ou fazer uns malabarismos para sobreviver a ele.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">É sobretudo compreender que qualquer revolução – inclusive a que
atravessa a protagonista e a concilia com as assimetrias ao seu redor – é um
ato de violência. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">A violência, aliás, extrapola o enredo e (numa decisão estética
que ecoa a temática tratada) invade a linguagem: a poesia frequentemente rompe a
sequência de parágrafos, inquietando a prosa; e os fragmentos de cartas que
trazem notícias das mortes e prisões e lutas no Brasil, com letras em caixa-alta
e texto que desrespeita a mancha gráfica, soam como um grito que não se submete
mais aos limites da página – assim como as infinitudes vivenciadas por Maria,
que aos poucos vencem os contornos (até então) bem definidos de seu esconderijo
na rua Cujas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Em tempos de tantas agressões à democracia – nos quais os
interesses de poucos delineiam, com a régua da tirania, um horizonte nada
promissor para a maioria dos brasileiros –, não poderia ser mais atual, infelizmente,
esse retorno a uma época em que as liberdades individuais e coletivas
experimentaram um exílio tão profundo.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">É um alento, no entanto, que o itinerário proposto por Luciana
acompanhe justamente aqueles personagens que não se deixam imobilizar pela
barbárie e continuam caminhando contra o vento – heróis anônimos que, como </span><span style="font-family: inherit;">cactos no deserto, se destacam na aridez
da realidade e nos mostram o quanto é importante resistir. Sempre.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span>
<span style="font-family: inherit;"><i>P.S.: Vou me exilar do blog um tempinho e volto no próximo ano. Boas Festas!</i></span><br />
<span style="font-family: inherit;"><i><br /></i></span></div>
Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-640945026865576253.post-52381389068466872062016-12-11T04:57:00.000-08:002016-12-11T04:57:07.561-08:00Traduções possíveis<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Se
<i>A chegada</i> fosse um verbete de
dicionário, certamente ocuparia várias páginas – tantas são as definições para
o mais novo filme de Denis Villeneuve.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Uma
das primeiras e mais óbvias seria ficção científica, dada a sinopse tão cara ao
gênero: depois que naves alienígenas pousam em diversas partes do mundo,
inclusive nos Estados Unidos, a linguista Louise Banks (Amy Adams) e o físico
Ian Donnelly (Jeremy Renner) são convocados pelo governo americano para
decifrar a língua e os planos dos visitantes. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjHYuKfgpANrdM_ZojZM6tJUIrFZy_uzF-OvGpsOiqpopV40vZqbWo7TCo03qXhK_Qbx82s_MvlavG9Gk7t5ihQrY1Qhu0ATQx_QBJZehs1hROyCkqtAsG0LwNu7TI1bU6kVV-IV33jhsI/s1600/A+chegada2.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="223" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjHYuKfgpANrdM_ZojZM6tJUIrFZy_uzF-OvGpsOiqpopV40vZqbWo7TCo03qXhK_Qbx82s_MvlavG9Gk7t5ihQrY1Qhu0ATQx_QBJZehs1hROyCkqtAsG0LwNu7TI1bU6kVV-IV33jhsI/s320/A+chegada2.jpg" width="320" /></a><span style="font-family: inherit;">O
mote aparentemente surrado, no entanto, não serve à enésima destruição em massa
de cartões-postais. Desta vez, o novo endereço de Donald Trump não vai pelos
ares (o que não deixa de ser uma decepção). A pirotecnia tipicamente
hollywoodiana cede espaço ao que a ficção científica faz de melhor: usar o
fantástico como pretexto para discutir o real e o humano – o tal demasiadamente
humano.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Importa
ao diretor dos ótimos <i>Incêndios</i> e <i>Os suspeitos</i> observar, por exemplo, a
reação apavorada de alguns de nós diante do desconhecido, do diferente: somos capazes
de – incitados por discursos xenófobos – quase iniciar um conflito armado mesmo
não entendendo o idioma e as intenções do outro, como mostram os soldados que põem
uma bomba numa das naves depois de tanto assistirem a um Datena na tevê.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Outro
comentário proposto pelo cineasta (spoiler! spoiler!) está na mensagem dos
aliens aos humanos, intencionalmente dividida entre os dozes discos espalhados
pelo planeta. Traduzi-la integralmente só será possível se houver colaboração
entre as nações. O fato de os ETs não fazerem isso porque têm o dedinho
iluminado e desejam promover a paz – mas porque esperam uma contrapartida num
futuro distante – afasta qualquer possibilidade de abdução por pieguice.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Se
aprofundados, esses temas sem dúvida levariam o longa a ser interpretado como
ensaio sociológico ou político; eles empalidecem, todavia, frente à definição
que mais se aproxima da essência do filme: história de amor. Não uma história
de amor (contada) como as outras. Mas uma história de amor que se vale do
roteiro de Eric Heisserer (baseado no conto “História da sua vida”, de Ted
Chiang) e da montagem de Joe Walker para estilhaçar a linearidade do tempo e
expor a incoerência poética de um sentimento que insistimos viver mesmo sabendo
que, cedo ou tarde, acabará em morte e dor – mesmo sabendo que só é infinito
enquanto dura.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">Não
por acaso, a certa altura, Louise confessa a Ian sentir que tudo aquilo que
está acontecendo parece ter a ver apenas com os dois. Só tem. Uma aliança de
casamento – vista em plano-detalhe nos primeiros minutos de projeção – reverbera
em outras formas circulares que povoam a narrativa, como a linguagem dos
alienígenas, o nome em palíndromo de certa personagem e a própria estrutura do
roteiro. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">O
fim (ou o começo) faz o espectador voltar ao início (ou ao desfecho) e se
perguntar se o título do longa se refere somente à chegada dos extraterrestres.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: inherit;">São
tantas as leituras suscitadas por esse scifi villeneuveano que, em última
análise, é possível compreendê-lo também como um tributo ao cinema. É isso ou o
design de produção não faria do interior da nave frequentada pelos
protagonistas um corredor escuro, que leva a uma sala igualmente escura, onde
só existe uma fonte de luz: um imenso retângulo branco em posição horizontal, no
lugar de uma parede, como uma vitrine – a janela usada pelos aliens para se
comunicar com os cientistas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span style="font-family: inherit;">Assim como acontece com Louise, redefinimos nossa relação com o tempo –
quiçá redicionarizamos a própria vida – ao entrar em contato imediato com o que
está do outro lado da tela.</span><br />
<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT-BR; mso-bidi-language: AR-SA; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US;"><br /></span>Fábio Florahttp://www.blogger.com/profile/03694700198521046460noreply@blogger.com0